Associações do semiárido fortalecem a produção orgânica com certificação participativa e técnicas agroecológicas
Apoios do Fundo Casa ampliaram a autonomia de associações de agricultores que agora possuem a experiência e confiança necessária para gerirem seus próprios recursos
Matéria por Nádia Pontes
Em Canindé do São Francisco, Sergipe, a agricultora familiar Iva de Jesus Santos segue de perto o crescimento das plantas cultivadas. A depender do regime de chuvas nesta porção semiárida do Nordeste, o feijão deve inaugurar a fase da colheita no sítio, seguido pelo algodão, gergelim e milho.
Filha de camponeses assentados, Iva fez curso superior em agroecologia e iniciou sua produção no campo em 2019. Num cenário de crescente êxodo rural, ela lidera grupos na região para fortalecer o trabalho de famílias que permanecem e adotam o plantio sem agrotóxicos.
“A terra é para ser produzida pelas nossas mãos. É preciso estudar, adquirir conhecimento para colocar em prática. A saída não é ir embora, mas resistir”, diz a camponesa.
Iva é a primeira presidente da Associação de Certificação Orgânica Participativa de Agricultores e Agricultoras do Sertão de Sergipe, a Acopase, fundada em 2020. Em várias das 48 pequenas propriedades associadas, um reforço foi fundamental nesta temporada de plantio: microtratores ajudam a arar a terra e a manter o terreno limpo até a colheita.
“Os equipamentos novos são para o fortalecimento da Acopase, pois são tecnologias poupadoras de mão de obra, algo que é bastante limitado por aqui já que somos todos agricultores familiares”, explica Iva.
A compra de maquinário como microtratores, roçadeiras e plantadeiras foi possível com um aporte extra de R$85 mil recebido pela associação. O recurso veio do Fundo Casa em parceria com a Porticus, que apoiaram dez entidades focadas em desenvolver processos para a certificação agroecológica.
Cultura agroecológica mais forte
Com famílias associadas espalhadas por seis cidades do chamado Alto Sertão Sergipano, a Acopase agora está pronta para ser credenciada como Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade, Opac. Toda a documentação está em dia, a conclusão do processo depende apenas da visita do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, afirma Iva.
As Opacs funcionam como uma certificadora de produtos orgânicos: são os membros da própria entidade que avaliam, atestam e garantem que os alimentos colhidos nas propriedades associadas estão dentro dos padrões exigidos por lei. Todo o processo ocorre de forma participativa, com um custo viável para as famílias que fazem parte da Opac.
Quando recebeu a carta convite para participar da chamada aberta pelo Fundo Casa, a associação de agricultores buscava fortalecer a organização, ganhar mais autonomia e aumentar o ganho das famílias.
“No início, eram muitas planilhas, a gente tinha que entender da lei. Mas depois de muitas formações, muito treino, nós conseguimos não só ganhar o recurso, mas usar bem o dinheiro e ganhar mais autonomia. Foi desafiador. Hoje me vejo bem evoluída”, afirma Iva.
Autonomia e venda direta
A pouco mais de 400 quilômetros do sítio de Iva, a colheita de algodão chega ao fim na pequena propriedade de José Edjunho Tavares, em Santa Cruz, Pernambuco. A safra rendeu 1200 quilos da fibra macia, cultivada sem agrotóxicos, que será vendida diretamente para uma grande empresa.
“Hoje a gente planta de tudo um pouco. Milho, feijão, sorgo, macaxeira, plantas adubadeiras, amendoim, gergelim, mas o algodão é carro-chefe, de onde vem 60% da renda dos produtores”, pontua Junho, como o agricultor é conhecido.
Ele é uma das lideranças à frente da Associação dos Agricultores e Agricultoras Agroecológicos do Araripe, Ecoararipe, que atualmente conta com 149 famílias registradas e certificadas. A associação é uma Opac, com núcleos divididos em 10 municípios na porção mais ocidental de Pernambuco, também no semiárido nordestino.
Depois de uma temporada em São Paulo, em busca de emprego, Junho retornou a Santa Cruz em 2006 e começou a trabalhar com agricultura, com um pequeno aviário, ajudando o pai. A dedicação ao método orgânico só veio anos mais tarde, e a certificação chegou em 2013.
“Começamos a ver que o mercado estava crescendo. A gente começou a se organizar em 2013, a vender em grupo para eliminar a figura do atravessador, que tira muito proveito do nosso trabalho”, relembra Junho o início da Ecoararipe.
Com a organização coletiva, as portas se abriram. Atualmente, os produtores têm contratos fortes de venda direta para a indústria a preços que consideram justos.
Em 2022, um recurso extra recebido pelo Fundo Casa ajudou os produtores a aprimorarem os processos. Além da compra de equipamentos que poupam mão de obra, a associação investiu em atividades para aumentar o grupo certificado e em ferramentas usadas nas reuniões.
“O recurso e o apoio do Fundo Casa ajudaram muito na nossa autonomia financeira, autonomia da agricultura familiar, do sistema orgânico. Deixa um legado de aumento de produtividade, de fortalecimento da Opac”, lista Junho.
O próximo desafio da Ecoararipe é fundar uma unidade de beneficiamento de gergelim, com custo aproximado de R$230 mil. O objetivo é aumentar a escala de produção que os produtores já têm e atender a demanda do mercado por tahine, feito a partir do gergelim.
“Agora já temos mais experiência na gestão de recursos e mais confiança, então vamos atrás desse crescimento”, diz o Junho.