19.11.2024

Comunicação Comunitária e Direitos Humanos: Comunidades de prática fortalecem a luta por justiça e democracia no Brasil

Primeiros encontros abordaram os desafios e o papel essencial da comunicação comunitária; em 2025, mais dois eventos vão promover a troca de experiências e o fortalecimento de redes de defesa dos direitos humanos.

Nos dias 30 de outubro e 6 de novembro de 2024, ocorreram os dois primeiros encontros de formação das Comunidades de Prática “Comunicação Comunitária e Direitos Humanos”, uma iniciativa do Fundo Casa Socioambiental, que reuniu representantes de projetos apoiados em diversas chamadas de projetos do Fundo Casa participaram dos encontros online. A proposta visa fortalecer as capacidades de comunicadores comunitários e defensores de direitos humanos, especialmente nas regiões da Amazônia e MATOPIBA, áreas estratégicas na luta pela justiça social e ambiental no Brasil.

O primeiro encontro abordou “Direito à Comunicação e Justiça Socioambiental”, trazendo à discussão temas como o papel da comunicação comunitária, plural e popular na construção da democracia e como se intersecciona com a pauta da justiça socioambiental no Brasil. Camila Nóbrega, do Coletivo Intervozes, e Sérgio Miguel Buarque, da Marco Zero Conteúdo, trouxeram para os grupos a discussão de como a comunicação pode apoiar a justiça socioambiental e fortalecer a defesa dos direitos de comunidades vulneráveis. 

Camila Nóbrega enfatizou a necessidade de compreender a comunicação como um direito humano, ainda que esse entendimento não seja amplamente reconhecido nos principais tratados internacionais. 

“A comunicação, embora não seja explicitamente reconhecida como um direito humano na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é defendida como tal, pela possibilidade das diversas dimensões, para a gente ter possibilidade sim de ter comunicações nos territórios, das pessoas poderem se organizar, também se apoderar da comunicação e fazer junto, e reconhecer tantos modos de comunicação que existem, que são ancestrais, diversificar e amplificar esse nosso entendimento.” Camila Nóbrega, Intervozes

O encontro ressaltou como a comunicação comunitária e popular pode fortalecer práticas democráticas e culturais diversas, promovendo outras formas de organização social e de vida. Segundo Camila, a união entre jornalismo investigativo, comunicação comunitária e modos de comunicação ancestrais cria um ecossistema informativo mais amplo e inclusivo, essencial para apoiar a justiça socioambiental e dar visibilidade às histórias e memórias de diferentes territórios.

O projeto “Comunicadores Populares Matipu”, da Associação Indígena Matipu (AIMA), é um exemplo de fortalecimento da comunicação comunitária no Território Indígena do Xingu. Com apoio do Fundo Casa Socioambiental, a iniciativa está fortalecendo as capacidades de 20 jovens do povo Matipu para produzirem conteúdo audiovisual sobre a cultura e o cotidiano de sua comunidade, com o objetivo de documentar práticas e valores culturais que muitas vezes passam despercebidos.

Kulumáka Kaú Matipu, vice-presidente da AIMA e presente no primeiro encontro, destacou a importância de registrar atividades de subsistência, como a pesca e a caça, e de manter uma comunicação ativa nas redes sociais para promover o reconhecimento e o apoio à causa indígena. 

“Nós discutimos essa possibilidade de ter comunicação no meu povo, principalmente, para nós termos essa documentação histórica, cultural, artística, para não se perder”, destacou Kulumáka Kaú Matipu

Já no segundo encontro, a Comunidade de Prática tratou de “COPs, Jornalismo Ambiental e Participação em Espaços de Decisão”. Maryellen Crisóstomo, jornalista quilombola integrante da CONAQ, e Ana Carol Amaral, jornalista no portal UOL e Agência Pública, discutiram os desafios e as oportunidades de comunicação nos espaços das COPs (Conferências das Partes sobre Mudança Climática), com destaque para a próxima edição da COP, a COP 30 que acontecerá em Belém do Pará. Questões como a eficácia das Conferências das Partes na construção de agendas de futuro justas e o papel da comunicação na representação de pautas locais e ambientais foram pontos centrais das discussões. 

Maryellen Crisóstomo destacou as dificuldades que as comunidades locais enfrentam para serem ouvidas nas negociações globais. Ela aponta a invisibilidade dos territórios no processo de transição climática, que frequentemente os coloca como “zonas de sacrifício”. Em suas palavras, ela reflete sobre o distanciamento das discussões:

“Nós entramos nessa agenda como zona de sacrifício, como áreas necessárias para que aconteça essa transição e mitigação. Mas o desafio na COP30 em Belém é garantir que consigamos entrar, porque onde os países negociam, nós não acessamos. Existem credenciais de governo, mas as partes que negociam não conversam conosco e não conhecem de fato a nossa realidade.” Maryellen Crisóstomo

A jornalista quilombola também criticou a forma como a agenda climática é tratada, especialmente a narrativa em torno das mudanças climáticas, “eu não consigo dissociar essa agenda de uma narrativa caótica, de terror e ansiedade climática. Não vejo meu território contemplado na agenda de mitigação, de transição, de adaptação. Precisamos pressionar o governo para incluir a realidade dos nossos territórios nas negociações; caso contrário, teremos manifestações e protestos.”

Divina Lopes, representante da COOMARA, no Maranhão, participante do segundo encontro, destaca o grande desafio dos movimentos sociais na COP30 e a importância de articular forças para amplificar a denúncia e a mobilização. 

“Na COP30, a gente tem um desafio muito grande enquanto movimentos sociais. Eu penso que a gente tem que tentar ao máximo articular nossa força, nossa capacidade de denúncia, de pressão e de mobilização. E como é que a gente se soma na organização da Cúpula dos Povos, para que a gente tenha o maior alcance na nossa capacidade de denúncia.” Divina Lopes

Esses encontros iniciais proporcionaram uma troca rica entre os participantes, fomentando a criação de uma rede de apoio e aprendizado coletivo. Em 2025, outros dois encontros estão programados, dando continuidade ao processo de fortalecimento das práticas de comunicação comunitária e ampliando as discussões sobre justiça socioambiental no Brasil.

Nos próximos encontros do Fundo Casa Socioambiental, dois temas centrais serão discutidos. O 3º Encontro abordará o combate à desinformação e o fortalecimento da democracia, com foco nos limites da liberdade de expressão, censura, manipulação e a regulação das plataformas digitais. 

Já o 4º Encontro discutirá a comunicação como ferramenta de proteção territorial e defesa de defensores ambientais, além de tratar das violências de gênero na comunicação e do Acordo de Escazú, que visa garantir transparência e justiça em questões ambientais. 

Fundo Casa fortalece comunicação e direitos humanos nas comunidades

O Fundo Casa Socioambiental apoia iniciativas de comunicação comunitária para fortalecer a defesa de direitos humanos no Brasil. Esse apoio possibilita que comunidades locais desenvolvam suas próprias soluções e estratégias de comunicação, ampliando a visibilidade de suas demandas e fortalecendo seu protagonismo.

Em 2024, 20 projetos de Comunicação Comunitária e Direitos Humanos receberam aproximadamente 1 milhão de reais, em apoio. A maior parte dos recursos foi destinada ao fortalecimento institucional e à produção de conteúdo, enquanto a outra parte para fortalecimento de redes de coletivos de comunicação comunitária e distribuição de conteúdo. Segundo estimativas das próprias organizações apoiadas na chamada, cerca de 39 mil pessoas podem ser impactadas pelos projetos em diferentes territórios. 

Segundo Rodrigo Montaldi, gestor de programas do Fundo Casa Socioambiental, o apoio do Fundo às estratégias de comunicação nas comunidades e à defesa dos direitos humanos é fundamentado no reconhecimento de que a “comunicação comunitária, plural e popular já ocorre nos territórios e contribui para mudanças das realidades locais”. Ele explica que essa comunicação, frequentemente a única ferramenta local de engajamento e denúncia, fortalece a resistência e a defesa contra violações territoriais.

“Apoiar as organizações de comunicação comunitária é, em primeiro lugar, dar luz às enormes potências de resistência que os territórios já desenvolvem em prol da defesa territorial e do fortalecimento comunitário”, afirma Montaldi, destacando ainda o papel desse apoio na promoção da democracia, no combate à desinformação e na construção de uma cultura de direitos. Além disso, quando gerenciada pelas próprias comunidades, a comunicação comunitária “tem se demonstrado como uma importante estratégia de visibilização das vozes locais e de produção de informações confiáveis”.

O Fundo Casa Socioambiental apoia as comunidades no fortalecimento de suas vozes e na promoção de justiça e inclusão social de forma autônoma e eficaz. A expectativa para as próximas etapas em 2025 é que o apoio continue contribuindo para a expansão dessas iniciativas e para o fortalecimento de redes de comunicação comunitária em prol dos direitos humanos.




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