Comunidade pesqueira lança plataformas digitais do Observatório da Pesca Artesanal com apoio do Fundo Casa
Plataformas digitais irão fortalecer a pesca artesanal no Brasil por meio da coleta de dados sobre a produção pesqueira.
Um momento importante para todas as comunidades de pescadores e pescadoras artesanais do Brasil, foi o lançamento, em 25 de abril, das plataformas digitais do Observatório da Pesca Artesanal, compostas por um site e o aplicativo de automonitoramento da produção da pesca artesanal. A iniciativa é uma realização do CPP (Conselho Pastoral da Pesca), em parceria com MPP (Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais), CONFREM (Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas), além de pesquisadores acadêmicos. O projeto conta com apoio do Fundo Casa Socioambiental e os parceiros financeiros Instituto Humanize e Fundação OAK. Ao todo, R$129 mil foram destinados para a criação das plataformas digitais que serão utilizadas pelas comunidades pesqueiras, para a formação de uma rede nacional conectada digitalmente.
A pesca artesanal é uma atividade socioeconômica que gera trabalho e renda para cerca de 1 milhão de pessoas e representa mais de 60% da produção de pescados capturados em âmbito nacional que chega à mesa do povo brasileiro, e é a base de sustentação de uma extensa cadeia produtiva. As comunidades pesqueiras artesanais, enquanto população tradicional, além dos relevantes serviços ecossistêmicos e de segurança alimentar prestados à sociedade, representam um modo de vida histórico, que é um rico patrimônio cultural material e imaterial.
Apesar desse contexto, as comunidades pesqueiras artesanais são grupos sociais vulneráveis permanentemente agredidos por fatores que colocam em risco a continuidade da pesca e seus modos de vida. Como por exemplo os diversos crimes ambientais que assolam essa população, uma mostra disso foi o crime causado pela Samarco/Vale/BHP em 2015, os vazamentos de petróleo que atingiram grande parte do litoral brasileiro a partir de agosto de 2019, e a pesca predatória.
Frente a isso, o apoio a essas comunidades e a implementação de ferramentas para contribuir na comunicação e informação em rede, vem para fortalecer a atuação destas populações, oportunizando a construção de espaços de troca, aprendizagem e co-criação.
Segundo Clarindo Pereira dos Santos, pescador e membro do MPP – Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais, “são importantes os apoios que o Fundo Casa está fazendo para a construção e lançamento das plataformas do Observatório neste momento tão difícil que estamos atravessando por causa da pandemia do coronavírus. Com a nossa situação financeira muito fragilizada, o Fundo Casa vem nos apoiando com projetos em uma parceria muito importante, nos dando condições para assim vencermos essas dificuldades, empoderando e melhorando a sustentabilidade alimentar e financeira em nossas comunidades, em nossos territórios pesqueiros”.
Desde sua implantação, no ano de 2019, o Programa Casa Rios e Oceanos já apoiou mais de 30 projetos com foco na pesca artesanal. Desses, 15 foram emergencialmente para grupos e organizações impactadas pelo vazamento do petróleo/óleo no litoral nordestino, 10 apoios foram para fortalecimento institucional de organizações estratégicas do campo da pesca artesanal, 4 apoios para organizações realizarem processos de incidência jurídica e política, e 2 apoios para o Observatório da Pesca Artesanal. Ao todo, o Programa do Fundo Casa já doou cerca de R$1,2 milhão, sempre com o objetivo fortalecer as organizações locais e as organizações estratégicas de representação dos pescadores e pescadoras artesanais, reconhecendo-os como os atores políticos mais importantes nos processos de conservação dos ambientes ou ecossistemas aquáticos, marinhos e continentais e na transformação local.
Muitos dos grupos atendidos neste programa estão em locais de difícil acesso à informação, e muitas vezes “invisíveis” às iniciativas e oportunidades de financiamento de projetos. Outras vezes esses grupos locais não possuem organização institucional que lhes deem condições de se candidatar a apoios de financiadores que exigem maior capacidade administrativa. Nesse sentido, o eixo de fortalecimento institucional dos grupos da pesca artesanal contida neste programa foi um dos grandes destaques.
Para a Diretora Executiva do Fundo Casa, Cristina Orpheo, “o Fundo Casa reconhece o protagonismo das comunidades pesqueiras para a conservação dos ecossistemas que se conectam com rios e oceanos, por outro lado existe pouca prioridade da filantropia a essas comunidades. Nosso objetivo com o apoio para a criação da Plataforma é fortalecer as organizações, fortalecer a pauta e contribuir para articulação do movimento. Acreditamos que a Plataforma terá um papel fundamental nessas 3 frentes.”
As plataformas do Observatório da Pesca Artesanal
As plataformas do Observatório da Pesca Artesanal sendo lançadas consistem em site e aplicativo, que permitem o automonitoramento da produção de pescado por parte dos pescadores artesanais e a visibilização da produção da pesca artesanal no país. O projeto tem o objetivo de ser um instrumento de utilização dos próprios pescadores e pescadoras artesanais, a fim de tentar preencher a lacuna da incidência de dados sobre a produção da pesca artesanal no Brasil. O último levantamento da produção da Pesca Artesanal foi realizado pelo extinto Ministério da Pesca e Aquicultura, no ano de 2011. Atualmente apenas os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Paraná e Santa Catarina realizam coleta de informações sobre a produção da pesca artesanal no litoral, sem informações sobre a produção em rios ou lagoas. Os dados são coletados apenas em resposta às condicionantes para a instalação de empreendimentos da Petrobras e no caso do Espírito Santo, após o rompimento da barragem da Vale, em Mariana (MG).
“Eu, como pescador, tenho certeza que esse aplicativo do automonitoramento da pesca artesanal vem muito a contribuir com nós pescadores e pescadoras, pois a invisibilidade e o descaso dos governos e dos grandes empreendimentos causam grandes impactos em nossos territórios pesqueiros, desconsiderando a importância da nossa pesca artesanal”, ressalta o pescador artesanal Clarindo Santos, da comunidade tradicional pesqueira e vazanteira de Canabrava, em Buritizeiro (MG).
Ainda segundo o pescador Clarindo, que integrou a equipe que construiu as plataformas digitais do Observatório da Pesca Artesanal, o aplicativo vai contribuir para a efetivação de políticas públicas: “Os registros feitos através deste aplicativo vem dar visibilidade e reforçar as leis de proteção e preservação das riquezas naturais em nossas comunidades, melhorando assim a vida de nossas pescadoras e pescadores artesanais”, defende.
O site do Observatório da Pesca Artesanal vai reunir dezenas de informações sobre a comunidade pesqueira, como legislação, pesquisas e dados sobre saúde, com o intuito de otimizar a comunicação entre as organizações, associações e pescadores(as) autônomos. A partir do fornecimento dessas informações, que são de interesse tanto da comunidade, quanto do público em geral, o Observatório projeta contribuir com a auto-organização dos pescadores(as), possibilitando mobilizações, apoio e mais visibilidade social e política às lutas, desafios e oportunidades para a potencialização da pesca artesanal, dos pescadores e das pescadoras em todo o país.
Já o aplicativo pretende contribuir com a visibilidade da pesca artesanal no país. Segundo Maria José (Zezé) Pacheco, Secretária Executiva do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) no Regional Bahia, as plataformas digitais vão ampliar e fortalecer a atuação das comunidades pesqueiras. “As plataformas servirão para ser um espaço de apoio onde as comunidades possam facilmente encontrar informações, onde também possam acionar e buscar apoios. O aplicativo, especialmente, será um instrumento poderoso para dar visibilidade à importância econômica, social e política das comunidades da pesca artesanal para o Brasil. A gente sabe que o Estado desmontou toda política de estatística de pesca, com uma política de negação da existência, que boicota saber o número de pescadores, além dos sistemáticos cancelamentos de carteiras (RGPs – Registro da Atividade Pesqueira)”, enfatiza Zezé Pacheco.
Entre os principais objetivos do projeto estão:
- Fortalecer as organizações – Criar um ambiente fértil para o fortalecimento e empoderamento dos grupos que atuam no campo na pesca artesanal. Sendo uma fonte, que dissemine informações sobre iniciativas e projetos, disponibilizando dados e buscando novas maneiras de compartilhar e interagir com as organizações.
- Fortalecer a pauta – Investir na construção de uma base de dados sobre a Pesca Artesanal e na disseminação desse conhecimento para a sociedade. Reforçar a pertinência e a urgência dessa pauta e inseri-la nas diferentes mídias e nos debates sobre projetos e políticas públicas.
Articular o movimento – Promover oportunidades para que organizações se encontrem, troquem e atuem em parceria. Possibilitar que os grupos e organizações se reconheçam como parte dessa rede e que criem meios para estruturar e fortalecer essa articulação, tanto a nível local quanto nacional.
Histórico
O projeto do Observatório da Pesca Artesanal é um desdobramento do Grupo Observatório dos Impactos do Coronavírus nas Comunidades Pesqueiras, que foi formado em março de 2020, por pescadores e pescadoras de todo o país, junto com cientistas e apoiadores da pesca artesanal, para monitorar os impactos e discutir o enfrentamento ao Covid-19 nas comunidades pesqueiras. Durante meses, o grupo esteve reunido colhendo informações online com os próprios pescadores artesanais e sistematizando-as em boletins diários, mensais e epidemiológicos, como forma de demonstrar o cenário de contaminação e enfrentamento à pandemia por parte da comunidade pesqueira, e objetivando subsidiar a formulação de políticas públicas no futuro.
O grupo foi formado pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP), Articulação Nacional das Pescadoras (ANP); Comissão Nacional pelo Fortalecimento das Resex Costeiras-Marinhas (CONFREM); Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçaras (RJ-SP-PR); Conselho Pastoral dos Pescadores; Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho/ Departamento de Medicina Preventiva e Social/ UFBA; Laboratório de Gestão Territorial e Educação Popular-MARSOL/UFBA; Laboratório Socioambiental do Centro de Estudos do Mar, LabSoc/CEM/UFPR; Linha de Pesquisa Usos e Conflitos dos Ambientes Costeiros da Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento-PPGMADE/UFPR; Núcleo de Estudos Humanidades, Mares e Rios-NUHUMAR/UFPE; e Lima-Green, analista estatístico aposentado do IBGE.