Demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu: uma vitória histórica para o povo Munduruku
Celebração marcou um passo decisivo na luta pela garantia de direitos e reconhecimento do território indígena.
A assinatura da portaria declaratória da Terra Indígena Sawré Muybu, no Pará, em setembro de 2024, após décadas de mobilização, representa uma conquista histórica para o povo Munduruku e é um marco para a proteção da Amazônia. Com mais de 178 mil hectares reconhecidos oficialmente pelo Ministério da Justiça, a decisão ajuda a fortalecer os direitos dos povos indígenas e reafirma a importância da preservação ambiental.
A demarcação é uma vitória marcante para o povo Munduruku, cuja luta persistente enfrentou desafios históricos e contemporâneos. Alessandra Korap Munduruku, liderança indígena e ativista socioambiental, destaca o significado dessa conquista para a sobrevivência e preservação dos territórios indígenas.
“A importância do território para nós é toda a vida: o rio, a floresta, as crianças que dependem dele, os animais e as sementes, que são a cura do nosso corpo”, afirmou Alessandra.
Nos dias 4 e 5 de novembro, o povo Munduruku realizou uma celebração para marcar o avanço na demarcação. O evento reuniu lideranças indígenas, crianças, adultos e parceiros, como o Fundo Casa Socioambiental, que esteve presente para apoiar a conquista histórica.
O evento simbolizou a resiliência do povo e destacou a importância de continuar fortalecendo a gestão do território. Os Munduruku já iniciaram a marcação física da área em um processo de auto-demarcação e assumem a responsabilidade de proteger suas terras, mesmo antes da decisão oficial.
A longa jornada de resistência
O processo de demarcação começou em 2004, mas a luta pela Terra Indígena Sawré Muybu vem de muito antes. Durante décadas, os Munduruku enfrentaram desafios, como invasões de grileiros, garimpeiros e madeireiros, e grandes projetos de infraestrutura, como o complexo de hidrelétricas no Rio Tapajós, que ameaçavam devastar a região. Apesar da conclusão dos estudos de identificação do território em 2012, a demarcação foi adiada por mais de dez anos devido a entraves políticos e econômicos.
A demora na regularização territorial expôs o povo Munduruku a situações de vulnerabilidade, incluindo a contaminação por mercúrio nos rios. Em meio a esses desafios, o protagonismo indígena se destacou, com a criação de ferramentas como o Protocolo de Consulta Munduruku, essencial para garantir que decisões envolvendo o território respeitassem o direito à consulta livre, prévia e informada. O protocolo de consulta assegura o respeito aos direitos e à autonomia das comunidades indígenas, promovendo uma participação ativa nas decisões sobre seu território e modo de vida.
Para o cacique Juarez Saw Munduruku, o protocolo foi uma ferramenta determinante na defesa dos direitos do povo Munduruku. “Ele dificultou a entrada do governo e garantiu que nós sejamos consultados do nosso jeito, não do jeito deles. Foi fundamental para barrar licenças e projetos que ameaçavam nosso território”, afirmou.
A construção do protocolo uniu diversas comunidades do Alto e Médio Tapajós, incluindo os Munduruku, ribeirinhos e outros povos. Essa articulação ajudou a fortalecer a resistência local, auxiliando no bloqueio de projetos predatórios, como grandes hidrelétricas planejadas para a região. “Trabalhamos juntos, e isso nos deu força para proteger nossa história e memória sagrada”, destacou Juarez.
A demarcação de Terras Indígenas (TI), garantida pela Constituição de 1988, segue etapas complexas, incluindo estudos, aprovação pela Funai, homologação presidencial e registro em cartório. No entanto, o processo é frequentemente marcado por entraves políticos, jurídicos e sociais que prolongam sua conclusão. Mudanças estruturais, como a garantia de direitos territoriais, exigem apoio contínuo e estratégias diversas, evidenciando que, embora longas, essas lutas podem gerar transformações significativas com perseverança e articulação.
“A luta pela demarcação de terras indígenas é um processo demorado e cheio de desafios, que precisa de várias estratégias e muito trabalho conjunto. São mudanças importantes, que só acontecem com o apoio contínuo e consistente ao longo do tempo. Mas essas mudanças chegam, porque a força, a resistência e o papel de liderança das comunidades indígenas mostram, a cada passo, que é possível superar o que parece impossível”, destaca Cristina Orpheo, diretora executiva do Fundo Casa Socioambiental.
A luta pela demarcação envolveu mobilizações locais e nacionais, além de estratégias de resistência e articulação política. Alessandra Korap Munduruku também ressalta o papel de protocolos de consulta criados pelos próprios indígenas, que garantem a participação de toda a comunidade. “O protocolo veio para fortalecer, garantindo que todos – crianças, mulheres, caciques, anciãos — sejam consultados de acordo com o que decidimos”, explicou.
Ela também mencionou o apoio de organizações como o Fundo Casa Socioambiental nesse processo, que ajudou no fortalecimento da autonomia do povo Munduruku. “O Fundo Casa nos deu abertura para construir projetos dentro do território, com as mulheres, os caciques e os jovens, respeitando nossa realidade e fortalecendo nossa associação”.
O Protagonismo das Mulheres Munduruku na Defesa de Seus Territórios e Cultura
As mulheres Munduruku foram importantes protagonistas na mobilização em defesa do território e na preservação de sua cultura. Lideranças como Maria Leusa Munduruku e Alessandra Korap Munduruku desempenharam papéis decisivos, articulando ações de incidência política e promovendo alternativas econômicas para as comunidades. As principais associações da região, a Pariri e a Wokoborun, têm sido espaços fundamentais para a autonomia e o fortalecimento da cultura, impulsionados por essas lideranças femininas que seguem ativas na luta pelos direitos do povo Munduruku.
Maria Leusa Munduruku destaca a importância das mulheres no fortalecimento do movimento Munduruku: “Nós enfrentamos muitos desafios, mas continuamos a lutar. O Fundo Casa nos ajudou a desenvolver projetos que respeitam nossa realidade, fortalecendo a autonomia das mulheres, dos caciques e dos jovens”. Essas iniciativas incluem desde atividades de geração de renda até projetos de monitoramento territorial e produção de remédios tradicionais, reduzindo a dependência econômica do garimpo.
Alessandra Munduruku destacou os desafios enfrentados no processo de demarcação, como a logística cara para mobilizar comunidades e a necessidade de resistir a interesses econômicos que pressionam os territórios indígenas. “A ganância pelo nosso território é muito grande. São hidrelétricas, estradas, mineração, grilagem. Mas nós não vivemos do desmatamento nem do ouro, vivemos da vida: da floresta, do rio, do território”, afirmou.
Alessandra também apontou as ameaças contínuas no Congresso Nacional, onde propostas legislativas buscam limitar os direitos indígenas. “Eles criam PECs para tentar vender nossas terras e acabar com nossa demarcação. Mas nossa resistência é forte. Continuaremos lutando, formando jovens, fortalecendo mulheres, e preservando nossos territórios para as futuras gerações”, concluiu.
Mulheres premiadas
Alessandra Korap Munduruku recebeu o Goldman Environmental Prize em 2023 por sua liderança na luta contra a mineração na Amazônia. O Goldman é uma das mais importantes premiações ambientais do mundo, conhecida como o “Prêmio Nobel Verde”. Ela desempenhou um papel fundamental na mobilização de sua comunidade contra o projeto de exploração mineral da mineradora Anglo American, que visava explorar cobre no Pará e no Mato Grosso. A resistência organizada por Alessandra resultou na desistência do projeto pela empresa em 2021.
Maria Leusa Munduruku também foi agraciada com o Prêmio Equador das Nações Unidas, durante a COP 21, em Paris, juntamente com Rozeninho Saw Munduruku, líder Munduruku. Reconhecimento pela luta de resistência contra as hidrelétricas planejadas para o rio Tapajós, no Pará, e pela autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, uma iniciativa fundamental para a proteção de seu território. O Prêmio Equador celebra comunidades que, por meio da conservação e do uso sustentável dos recursos naturais, contribuem para a redução da pobreza e para a preservação ambiental.
Apoio do Fundo Casa Socioambiental: uma parceria estratégica
Ao longo dos anos, o Fundo Casa Socioambiental foi um parceiro estratégico na luta do povo Munduruku pela demarcação de seus territórios. Desde 2006, o Fundo Casa realizou mais de 80 apoios, totalizando quase R$3 milhões investidos em ações que fortaleceram as organizações comunitárias. Esses recursos viabilizaram encontros, oficinas, expedições de autodemarcação e mobilizações em Brasília, contribuindo de forma significativa para a defesa de seus direitos e territórios.
Maíra Krenak, gestora de programas do Fundo Casa Socioambiental, acredita que a demarcação de terras indígenas é fundamental para garantir os direitos territoriais dos povos originários, assegurando a sobrevivência física, cultural e espiritual.
“São territórios sagrados onde se preservam tradições, modos de vida e conhecimentos ancestrais. Além disso, a demarcação é um instrumento de proteção frente a ameaças como desmatamento, grilagem, usinas hidrelétricas e outras atividades predatórias”, destacou Maíra Krenak, gestora de programas do Fundo Casa
Maria Leusa enfatizou o papel do fundo: “O Fundo Casa foi como uma mãe para nós. Nos ajudou a nos levantar em momentos de desespero, garantindo recursos para mantermos nossa resistência.” Além disso, o fundo apoiou diretamente a construção do Protocolo de Consulta Munduruku, reunindo parceiros como a FASE e o Ministério Público Federal (MPF).
A flexibilidade do Fundo Casa também foi destacada. “Eles entendem nossa realidade. Não são burocráticos e permitem ajustes nos projetos em momentos de emergência no território”, explicou Maria Leusa. Essa relação contínua auxiliou que os Munduruku acessassem outros financiadores internacionais, ampliando sua autonomia e capacidade de enfrentamento.
Para Maíra, “é uma honra para o Fundo Casa estar entre os parceiros do Povo Munduruku nesse processo e é uma grande alegria poder comemorar esse passo importante dado no processo de demarcação. Vamos seguir apoiando as iniciativas do povo Munduruku em seus territórios, que cada vez mais estejam protegidos para que as novas gerações sigam segurando o céu.”
Uma vitória para a Amazônia e para o mundo
A demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu é mais do que uma vitória do povo Munduruku, é um marco na preservação da Amazônia. Mesmo com a vitória, a luta dos Munduruku está longe de terminar. O Cacique Juarez alertou para a necessidade de demarcar outros territórios, como a TI Sawré Bap’in, e para as ameaças no Congresso Nacional, onde propostas legislativas tentam enfraquecer os direitos indígenas.
O cacique reforçou a relevância do apoio de parceiros e financiadores. “O apoio que recebemos foi muito importante. Sem ele, não teríamos conseguido fazer as expedições de autodemarcação. A nossa luta não parou e precisa de continuidade.”
A história do povo Munduruku na luta pela demarcação de Sawré Muybu é um exemplo de resiliência, organização comunitária e articulação política. Com o apoio de parceiros como o Fundo Casa Socioambiental, os Munduruku mostraram que é possível enfrentar interesses econômicos poderosos e proteger não apenas seus territórios, mas também o futuro da Amazônia e do planeta.
“Estamos aqui hoje, lutando pelo futuro das próximas gerações. Esse território não é só meu, é para nossos netos”, concluiu o Cacique Juarez, ecoando a força de uma luta que inspira comunidades indígenas em todo o Brasil.
Clique aqui e assista o mini documentário sobre esse momento de conquista Munduruku.