
Fortalecendo Raízes: o apoio a Soluções Baseadas na Natureza
Apoios estratégicos a projetos de base e comunidades locais potencializam a conservação e promovem um futuro sustentável, respeitando os saberes e as soluções dos povos tradicionais
As respostas para os desafios socioambientais já existem e estão nas mãos de quem vive e protege os territórios. Comunidades indígenas, quilombolas, extrativistas e agricultores familiares vêm aplicando, há gerações, soluções que regeneram ecossistemas, garantem segurança alimentar e fortalecem modos de vida sustentáveis. Essas iniciativas são o que chamamos de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) – estratégias que oportunizam os processos e recursos naturais para enfrentar as mudanças climáticas, recuperar áreas degradadas e fortalecer a resiliência das comunidades.
Nesta série de reportagens, o Fundo Casa Socioambiental convida você a entender mais sobre esse conceito e como ele está sendo aplicado em diversos projetos que apoiamos. Nosso objetivo é mostrar como as Soluções Baseadas na Natureza ajudam a restaurar ecossistemas e também oferecem alternativas que fortalecem as comunidades locais e promovem a justiça socioambiental.
A cada reportagem, vamos aprofundar nossa compreensão sobre as SBN, explorando, em exemplos práticos, como os sistemas agroflorestais e práticas de agroecologia, são aplicados em projetos que apoiamos e já estão gerando impactos reais.
Na primeira reportagem, vamos abordar o conceito geral de SBN e como o Fundo Casa está incentivando a integração entre natureza, pessoas e economia. Nosso trabalho vai além do financiamento. Ele está fundamentado na crença de que as soluções para os grandes desafios do nosso tempo já estão ao nosso alcance, muitas vezes nas próprias comunidades locais.
Definindo Soluções Baseadas na Natureza
As Soluções Baseadas na Natureza (SBN) são cada vez mais reconhecidas como estratégias eficazes para enfrentar os desafios sociais e ambientais globais, como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a escassez de recursos naturais. Para a especialista em SBN e adaptação climática, Helena Fischer, essas soluções buscam integrar o meio ambiente com as necessidades humanas de maneira sustentável e adaptativa.

A apicultura é um exemplo de atividade de baixo impacto ambiental que gera benefícios sociais e econômicos, além de contribuir com a restauração de ecossistemas, como foi feito no projeto de criação de abelhas sem ferrão realizado pela Casa Familiar Rural do Lago Grande do Curuai (PA), com apoio do Fundo Casa. Foto: Attilio Zolin
De acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), as Soluções Baseadas na Natureza são ações que utilizam ecossistemas naturais e modificados para fornecer benefícios tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades humanas. “O ponto de partida mais importante é não olhar só para a natureza ou só para as pessoas. A abordagem precisa ser integrada, olhar para esses dois aspectos de maneira simultânea”, explica Helena Fischer.

O projeto Mulheres da Terra realizado no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), inaugurou em 2024 um viveiro de mudas de árvores nativas, muitas delas ameaçadas de extinção. A iniciativa é fruto de um sonho comunitário de mulheres assentadas. Foto: Rafa Dotti
Essas soluções podem assumir diversas formas, dependendo do contexto. A restauração de florestas e manguezais para reduzir riscos de enchentes e proteger comunidades costeiras, a recuperação de nascentes para garantir o abastecimento de água e o uso de sistemas agroflorestais (SAFs) para regeneração do solo e segurança alimentar são alguns exemplos. Além disso, práticas como a captura e armazenamento de água da chuva e a recuperação de áreas degradadas por meio de plantio de espécies nativas também se encaixam nesse conceito.
O projeto Mulheres da Terra realizado no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), inaugurou em 2024 um viveiro de mudas de árvores nativas, muitas delas ameaçadas de extinção. A iniciativa é fruto de um sonho comunitário de mulheres assentadas. Foto: Rafa Dotti
Helena Fischer destaca que as SBN buscam enfrentar desafios sociais urgentes, como a emergência climática, a segurança hídrica e alimentar, saúde e redução de riscos, sempre levando em consideração os aspectos culturais e sociais locais. A ideia central das SBN é fortalecer os ecossistemas, melhorar a biodiversidade e aumentar a resiliência tanto dos ambientes naturais quanto das comunidades que dependem deles.
A integração entre natureza, pessoas e economia
A especialista Helena Fischer também enfatiza a importância da integração dos processos naturais com o ecossistema social, econômico e ecológico no qual as soluções estão sendo implementadas. “Para uma SBN, não basta olhar apenas para o local de intervenção. É preciso considerar os setores, as instituições e os contextos mais amplos que influenciam a solução e que precisam ser integrados para garantir eficácia”, afirma.
Ela exemplifica a importância de analisar os riscos que uma intervenção pode causar a outros ecossistemas, como poluição de um curso d’água que afete uma área adjacente. Fischer observa que é crucial adotar um olhar panorâmico e sistêmico, garantindo que o impacto seja positivo ou, ao mínimo, neutro para o ambiente ao redor.
Além disso, as SBN têm a capacidade de proporcionar múltiplos benefícios simultaneamente. Segundo a especialista, um equilíbrio adequado entre os benefícios principais e secundários das SBN é essencial para sua sustentabilidade. “A ideia é maximizar o principal objetivo da solução, mas também garantir que os benefícios múltiplos, como a geração de empregos e a melhoria da qualidade de vida, não sejam negligenciados”, comenta a especialista.
Outro ponto importante destacado por Helena Fischer é a necessidade das Soluções Baseadas na Natureza serem economicamente viáveis e sustentáveis a longo prazo. Ou seja, é preciso garantir que elas permaneçam eficazes mesmo após o fim do ciclo de implementação de um projeto, que pode ser financiado com recursos limitados.
“A solução não precisa se basear em um modelo de negócio tradicional, mas deve garantir que existam recursos e pessoas suficientes para dar continuidade ao projeto ao longo do tempo”, explica. Ela sugere que, além de modelos de negócio convencionais, outras formas de garantir a perenidade incluem a geração de emprego, a atração de investimentos e a valorização do local, que pode contribuir para uma abordagem mais holística e resiliente.

O manejo integrado do fogo realizado pelas brigadas voluntárias e comunitárias, que integra saberes tradicionais e científicos, é considerado uma SBN pois é baseado em processos naturais e ecossistêmicos, gerando benefícios ambientais, sociais e econômicos, além de mitigar efeitos das mudanças climáticas. Na imagem, brigadistas da Brigada de Resgate Ambientalista de Lençóis, na Chapada Diamantina (BA), que já foi apoiada pelo Fundo Casa. Foto: Açony Santos
O manejo integrado do fogo realizado pelas brigadas voluntárias e comunitárias, que integra saberes tradicionais e científicos, é considerado uma SBN pois é baseado em processos naturais e ecossistêmicos, gerando benefícios ambientais, sociais e econômicos, além de mitigar efeitos das mudanças climáticas. Na imagem, brigadistas da Brigada de Resgate Ambientalista de Lençóis, na Chapada Diamantina (BA), que já foi apoiada pelo Fundo Casa. Foto: Açony Santos
Helena Fischer destaca que as Soluções Baseadas na Natureza devem estar preparadas para se adaptar aos imprevistos e mudanças ao longo do tempo. “A gestão adaptativa é essencial. Monitorar, avaliar e ajustar a solução conforme as condições locais e globais mudam é o que garante que a solução continue relevante e eficaz”, afirma.
“O envolvimento das comunidades locais, a transparência no processo e a inclusão são essenciais para o sucesso das SBN”, reforça Helena Fischer.
Segundo ela, as soluções devem endereçar questões sociais específicas e ser construídas em diálogo com as pessoas que mais precisam delas, garantindo que todos os aspectos da sociedade sejam considerados no planejamento, implementação e avaliação.
“O sucesso de uma solução baseada na natureza depende dessa integração total entre o que a natureza pode nos oferecer e como isso pode ser utilizado para beneficiar as pessoas e os ecossistemas. Se conseguirmos fazer isso, estamos contribuindo para um mundo mais sustentável, resiliente e justo.” Helena Fischer, especialista em Soluções Baseadas na Natureza e adaptação climática
Fundo Casa amplia escala de apoio a projetos de Soluções Baseadas na Natureza
O Fundo Casa Socioambiental tem ampliado seu apoio a iniciativas comunitárias que integram conservação ambiental e desenvolvimento social. De acordo com Cristina Orpheo, diretora executiva do Casa, a estratégia de apoio às Soluções Baseadas na Natureza (SBN) prioriza iniciativas que promovem o uso sustentável dos recursos naturais e a proteção dos ecossistemas, sempre com foco nos benefícios diretos para as comunidades locais:
“Nossa abordagem é fundamentada na valorização dos conhecimentos locais e na mobilização de comunidades para práticas que conciliem ganhos ambientais e sociais, ganhos que contribuam com o bem-viver das comunidades locais. Isso abrange uma enorme diversidade de soluções locais que já estão sendo desenvolvidas pelas comunidades”, afirma Cristina Orpheo.

A iniciativa Teia da Sociobiodiversidade vai apoiar 400 projetos em duas chamadas. Os projetos recebidos na primeira chamada já estão em fase de análise e em outubro de 2024 será aberta a segunda edição da convocatória. Saiba mais em www.casa.org.br/teia
A iniciativa Teia da Sociobiodiversidade vai apoiar 400 projetos em duas chamadas. Os projetos recebidos na primeira chamada já estão em fase de análise e em outubro de 2024 será aberta a segunda edição da convocatória. Saiba mais em www.casa.org.br/teia
Segundo a diretora executiva, nos últimos dois anos, o Fundo Casa tem reforçado sua estrutura para potencializar o impacto das ações apoiadas, com iniciativas que ampliam os recursos destinados às comunidades. Cristina explica que a parceria estabelecida com o Fundo Socioambiental CAIXA, a Teia da Sociobiodiversidade, é um exemplo desse movimento.
“Nos últimos dois anos o Fundo Casa tem se preparado para ampliar a escala de iniciativas apoiadas, podendo realizar chamadas mais robustas com um montante significativo de recursos, de modo a potencializar os impactos positivos nos territórios. A parceria com a Caixa é um dos resultados dessa estratégia, onde serão R$40 milhões diretamente para os grupos locais.” Cristina Orpheo, diretora executiva do Fundo Casa.
Para Claudia Gibeli, bióloga e gestora de programas do Fundo Casa, projetos de SBN que envolvem a proteção e recuperação de florestas, áreas úmidas e oceanos, por exemplo, geram impactos ambientais positivos, como a manutenção da biodiversidade e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas tanto em áreas urbanas quanto rurais. Ela ressalta “que essas ações só serão eficazes se os componentes ambiental, social e econômico forem minimamente observados, garantindo também o fortalecimento das comunidades envolvidas e benefícios econômicos para elas.”
Claudia Gibeli destaca que os benefícios tangíveis desses projetos muitas vezes ultrapassam as expectativas.
“Projetos que visem a recuperação ou preservação de áreas naturais ou protegidas geram resultados observáveis, como a melhoria na qualidade da água disponível para as comunidades; a regulação climática, com plantios de vegetação nativa; o uso de remédios a partir de conhecimento tradicional e plantas disponíveis no território; e até mesmo a produção de alimentos em sistemas agroflorestais que protegem as florestas e promovem a segurança alimentar nas comunidades.”
Claudia Gibeli, bióloga e gestora de programas do Fundo Casa
Para o Fundo Casa Socioambiental, as Soluções Baseadas na Natureza (SBN) vão além de ferramentas ambientais, transformando a vida de comunidades locais. Essas soluções são essenciais para enfrentar crises globais, como mudanças climáticas e perda de biodiversidade. Ao integrar conhecimentos tradicionais com soluções locais, o Fundo Casa demonstra que é possível conciliar conservação ambiental com condições dignas e sustentáveis para as populações mais vulneráveis.
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Na próxima reportagem, vamos mostrar como projetos apoiados pelo Fundo Casa Socioambiental fortalecem a segurança alimentar e a conservação ambiental por meio da agroecologia e das Soluções Baseadas na Natureza.
Entre os exemplos, apresentaremos o Projeto Agroflorestas na Aldeia, desenvolvido pela Associação de Jovens Produtores Indígenas Tinguí Botó, em Feira Grande (AL). Enfrentando os desafios do agronegócio e das mudanças climáticas, a comunidade implementa sistemas agroflorestais que recuperam áreas degradadas, promovem a soberania alimentar e preservam práticas tradicionais.