16.03.2025

Fortalecendo Raízes: o apoio a Soluções Baseadas na Natureza

Do Norte ao Sul do país, comunidades locais e tradicionais mostram como as agroflorestas regeneram ecossistemas, garantem soberania alimentar e fortalecem territórios, unindo cultura, saberes ancestrais e modos de vida sustentáveis.

Na segunda reportagem desta série, vamos conhecer três projetos apoiados pelo Fundo Casa Socioambiental e entender a importância dos apoios para que essas iniciativas sigam transformando realidades e fortalecendo a resiliência comunitária.

As soluções já existem. Nos territórios, nas mãos das comunidades de base, na sabedoria de quem cuida da terra, dos rios e das florestas há gerações. São elas que, todos os dias, mostram que é possível viver em equilíbrio com a natureza, regenerar ecossistemas e fortalecer modos de vida sustentáveis.

Em todo o Brasil, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e agricultores familiares constroem caminhos para enfrentar a crise climática e garantir um futuro onde natureza e comunidade coexistam de maneira integrada e sustentável. São eles que recuperam nascentes, protegem florestas, promovem a agroecologia, restauram biomas e desenvolvem tecnologias sociais para conservar a biodiversidade e fortalecer economias locais.

No Fundo Casa Socioambiental, reconhecemos e apoiamos essas soluções que vêm da base. Soluções Baseadas na Natureza (SBN) são práticas vivas, adaptadas à realidade de cada território e às necessidades de quem mais sente os impactos das mudanças climáticas.

Mulheres cultivam agroflorestas medicinais no Rio Grande do Sul para enfrentar crises climáticas

O solo respira quando acolhe novas sementes, e as mãos que tocam a terra não apenas plantam, mas ajudam a regenerar o território. No Rio Grande do Sul, mulheres vêm transformando a agroecologia em um caminho de reconstrução ambiental e econômica. Elas fazem parte do projeto Elas fazem parte do projeto “Sistemas Agroflorestais Medicinais: regenerando a Terra e o Ser”, apoiado pelo Fundo Casa Socioambiental por meio da chamada “Reconstruir RS”.

Para as integrantes do projeto, mais do que produzir, é preciso resistir e transformar. A iniciativa fortalece a resiliência das comunidades rurais afetadas pelas enchentes no estado em 2023, promovendo a recuperação de solos degradados, a geração de renda com plantas medicinais e aromáticas, e a formação técnica e política das agricultoras.

Para Trinidad Aguilar, presidenta da ONG Pachamama, a reconstrução do estado passa pela restauração da vegetação nativa e pelo fortalecimento das agricultoras como protagonistas desse processo. O projeto é implementado em diferentes territórios, como os sítios comunitários Aoniken e Cambyçara, onde agroflorestas medicinais são implantadas para servir como centros de aprendizado.

Mulheres de Morungava se fortalecem na prática de agrofloresta, de regeneração da Terra e de empoderamento comunitário. Foto: Clarissa Londero

“Sabemos que, para evitar novas catástrofes climáticas, precisamos recriar espaços de floresta e aumentar a infiltração de água no solo. É de suma importância que esses cinturões verdes ao redor dos centros urbanos sejam produtivos, pois a cidade precisa de alimentos e é ecologicamente insustentável trazer esses insumos de longas distâncias”, afirma Trinidad.

O projeto se insere no conceito de SBN ao promover a regeneração da paisagem, a restauração do ciclo hídrico e a criação de áreas de refúgio climático. A recuperação da vegetação nativa em consórcio com espécies produtivas contribui para reduzir os impactos de eventos climáticos extremos, como inundações e estiagens, ao melhorar a infiltração de água no solo e reduzir o escoamento superficial. Além disso, o uso de práticas agroecológicas minimiza a contaminação de rios e nascentes, contribuindo para a segurança hídrica das comunidades.

Além da produção agrícola, a geração de renda para as mulheres da região também é um ponto central, tornando o plantio uma alternativa mais atrativa e fortalecendo sua autonomia dentro do sistema familiar. Outro aspecto destacado por Trinidad é o papel das plantas medicinais e do cuidado com a Terra como ferramentas para a saúde emocional, mental e integral.

“A experiência das mulheres tem sido maravilhosa até agora. Além da formação oferecida pelo projeto, elas encontraram uma rede de irmandade, afeto, carinho e apoio mútuo. Já no primeiro encontro, perceberam que a metodologia adotada vai além de uma abordagem prática sobre a Terra, permitindo que se envolvam de forma mais íntima e amorosa. Esse vínculo, além de fortalecer a conexão com o projeto, torna o processo mais produtivo e agregador.”
Trinidad Aguilar, presidenta da ONG Pachamama,

O projeto está em andamento e tem duração estimada de oito meses, com a expectativa de beneficiar diretamente 22 pessoas e indiretamente 400 pessoas no Rio Grande do Sul. A iniciativa busca criar espaços de aprendizado e troca, onde mulheres possam desenvolver conhecimento prático sobre agroflorestas medicinais, saúde integral e economia solidária. Além de produzir alimento e medicina de forma ecológica, o projeto também fortalece o cuidado emocional e psíquico das participantes, gerando redes de apoio e alternativas de trabalho.

“As agroflorestas serão locais de aula, prática e estudo, permitindo que essas mulheres repliquem o sistema em suas casas e fortaleçam suas famílias e comunidades. No longo prazo, queremos que esse conhecimento se multiplique, chegando a mais pessoas por meio dessas mulheres empoderadas, que poderão disseminar esses conteúdos em seus núcleos familiares, de trabalho e de vizinhança”, explica Trinidad.

Agroflorestas na Aldeia Tinguí Botó recuperam territórios e fortalecem práticas tradicionais em Alagoas

Agroflorestas na Aldeia Tinguí Botó (AL), recuperam territórios e reforçam práticas tradicionais, garantindo autonomia alimentar e preservação ambiental para a comunidade indígena. Fotos: arquivos do projeto

Na Aldeia Tinguí Botó, em Feira Grande, Alagoas, a comunidade indígena está recuperando e reforçando seu território e modo de vida com o projeto “Agroflorestas na Aldeia”. Por meio de práticas agroecológicas e saberes ancestrais, a Associação de Jovens Produtores Indígenas do território está implementando soluções sustentáveis que respeitam a natureza e garantem autonomia alimentar.

O projeto visa enfrentar os impactos negativos das práticas agrícolas intensivas, como o uso excessivo de agrotóxicos e sementes transgênicas, que afetam a saúde do território e ameaçam o modo de vida indígena. A SBN vem por meio dos sistemas agroflorestais (SAFs), que buscam reproduzir a dinâmica das florestas naturais, restaurando solos, promovendo a biodiversidade e garantindo água e alimentos sem depender de fertilizantes químicos.

Eré Batista da Silva, tesoureiro da associação, compartilhou como a agrofloresta tem sido importante para a autonomia alimentar da comunidade. “A gente produz o nosso próprio alimento, resistindo aos desafios trazidos pelos agrotóxicos que invadem nosso território, vindos dos fazendeiros ao redor. A agrofloresta nos dá forças para enfrentar essas barreiras”, diz ele.

O projeto já criou seis novos espaços agroecológicos, um na associação e cinco em unidades produtivas familiares, que beneficiam diretamente mais de dez famílias. Além disso, as capacitações e oficinas, apoiadas pelo Fundo Casa, têm incentivado o cultivo sustentável e a preservação de sementes tradicionais, ao mesmo tempo que aproximam diferentes gerações.

Para Eré, “a juventude ficou mais atuante, e houve uma troca de conhecimento entre as gerações. Além da produção agrícola, também reforçamos o fortalecimento das práticas tradicionais, que são fundamentais para a comunidade”.

Com o apoio do Fundo Casa Socioambiental, a construção de um viveiro de mudas permitiu à comunidade expandir a área de agrofloresta, produzir mudas nativas e impulsionar a regeneração de áreas degradadas. “A partir do primeiro apoio, a gente construiu o viveiro e fizemos a produção de mudas, o que nos permitiu expandir a área de agrofloresta. Esse sistema é importante para manter nossa soberania alimentar e para a preservação da floresta”, explica Eré.

“Quando a Associação foi contemplada em um projeto apoiado pelo Fundo Casa, foi importante para que a gente pudesse colocar em prática o que já fazíamos. Conciliamos a teoria com a prática tradicional que já existia, fortalecendo ainda mais o movimento agroecológico dentro da comunidade”, disse Eré Batista da Silva, tesoureiro da associação.

Outro avanço importante foi a conquista de autonomia na distribuição dos produtos agrícolas, graças ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Agora, a gente consegue fornecer produtos para as escolas, que são consumidos pelos próprios filhos dos indígenas. Antes, dependíamos de atravessadores. Hoje, temos autonomia para consumir e fornecer nossos produtos”, conta Eré.

Florescer Agroecológico: saberes ancestrais e sustentabilidade na Serra da Ibiapaba (CE)

Na Serra da Ibiapaba (CE), o projeto “Florescer Agroecológico” resgata saberes ancestrais para fortalecer a autonomia dos agricultores, promover a sustentabilidade e restaurar ecossistemas locais. Foto: arquivos de Afa Ibiapaba

Na Serra da Ibiapaba, no estado do Ceará, o campo floresce com o poder dos saberes ancestrais. O projeto “Florescer Agroecológico: resgate histórico e cultural das sementes tradicionais para a sustentabilidade”, desenvolvido pela Associação Escola Família Agrícola da Região da Ibiapaba (AEFARI), é uma iniciativa para fortalecer a autonomia dos agricultores locais.

A iniciativa une práticas agroecológicas com a sabedoria das gerações passadas, adotando soluções baseadas na natureza para enfrentar os desafios do campo. O projeto se posiciona como uma alternativa de resistência e regeneração para as comunidades da região, que lidam com os impactos do agronegócio e da perda da agrobiodiversidade.

Ao adotar as sementes crioulas, uma prática ancestral que assegura a adaptação das culturas ao ambiente local, as soluções encontradas buscam integrar os sistemas agrícolas com a natureza. Isso contribui para a recuperação e conservação dos ecossistemas e ajuda a melhorar a qualidade de vida das comunidades.

Para Cleidiane Alves da Silva, coordenadora técnica do projeto, a valorização dos saberes tradicionais é um dos maiores impactos do trabalho realizado. “O fortalecimento da autonomia e valorização dos saberes ancestrais foi um dos impactos mais transformadores para nós”, explica ela.

Entre os resultados expressivos, destaca-se a ampliação da Rede de Intercâmbio de Sementes (RIS), que passou de 26 para 37 casas de sementes mapeadas, fortalecendo a conservação da agrobiodiversidade local. Além disso, foram produzidas e plantadas 275 mudas de espécies nativas e frutíferas, contribuindo para a restauração de áreas degradadas e a segurança alimentar das comunidades.

A disseminação do conhecimento também foi reforçada por meio de oficinas realizadas em parceria com sindicatos rurais e associações comunitárias, envolvendo agricultores de municípios como Ubajara, Tianguá e Viçosa do Ceará.

Cleidiane ressalta que “promover momentos de discussão e formações com os principais protagonistas, que são os agricultores, é essencial para que o ciclo e a sucessão rural continuem”. Além disso, o projeto tem como prioridade a equidade de gênero no campo, fortalecendo a participação ativa das mulheres.

“Práticas agroecológicas são mais que uma escolha, são um compromisso com o ambiente que chamamos de casa”
Cleidiane Alves, coordenadora técnica do projeto

O Florescer Agroecológico deixa um legado de sustentabilidade e de preservação na Serra da Ibiapaba. Ao integrar agroecologia, sementes crioulas e SAFs, o projeto contribui para a resiliência climática e a segurança alimentar. Ele beneficia diretamente 60 famílias e impacta mais de 3.000 pessoas na região.

“O apoio do Fundo Casa foi fundamental para que pudéssemos alcançar os objetivos do projeto”, afirma Cleidiane, destacando como o apoio estratégico possibilitou a realização de atividades essenciais para o sucesso da iniciativa.

 

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