Geração de renda e segurança alimentar no Baixo Parnaíba Maranhense
Por Mayron Régis – Presidente do Fórum Carajás
Não se tem certeza, mas é quase certo que o projeto “As Carrancas do senhor Onésio” foi o primeiro projeto que o Fundo Casa financiou na região do Baixo Parnaíba Maranhense, que consagrava em seus objetivos a geração de renda e a segurança alimentar. O projeto nasceu em discussões do Fórum Carajás com os pequenos e médios proprietários e posseiros do povoado Carrancas, também conhecido por Valença, município de Buriti de Inácia Vaz. O nome “As Carrancas do senhor Onésio” tem suas explicações. As pessoas denominavam o povoado de “Carrancas” devido a aparência carrancuda das florestas que se adensaram sobre as Chapadas ou, em outras palavras, era mata fechada mesmo. O senhor Onésio foi o elo de ligação da equipe do Fórum Carajás com os moradores do povoado nas discussões que deram partida ao projeto e dele partiram sugestões para o seu pleno funcionamento.
A leitura que se fazia a respeito da realidade do município de Buriti, e de outros municípios da região do Baixo Parnaíba Maranhense, era que só o discurso de preservação ambiental não seria suficiente para motivar a resistência dos proprietários e das comunidades frente ao avanço do agronegócio que já ocupava vários cantos e recantos do município. O Fórum Carajás vindo de uma experiência no povoado de São Raimundo, município de Urbano Santos, propôs ao seu Onésio e aos demais proprietários e posseiros a realização de um projeto que incentivasse a preservação do Cerrado cujas bases estariam na posse da terra, na produção, na geração de renda e na garantia de alimentação saudável.
Dois pontos nevrálgicos do projeto eram o combate ao desmatamento das Chapadas para o plantio de soja e o reflorestamento de áreas degradadas com espécies nativas, especialmente o bacurizeiro, espécie fundamental para a regulagem do microclima, para a regulagem dos reservatórios de água no subsolo, para a geração de renda e para a alimentação. Essas qualidades se devem às suas raízes que alcançam distâncias impressionantes num raio de quilômetros e aos seus frutos cuja polpa serve para comer em natura ou serve para produção de sucos, doces, cremes e outros derivados. Este fruto é muito apreciado pela população local e também pelos compradores de polpa, vindos de grandes centros.
O projeto “As Carrancas do senhor Onésio” foi administrado pela AMIB – Associação dos Amigos de Buriti, organização sediada no município de Buriti, e demorou um pouco mais de um ano para ser concluído. Foram realizadas várias oficinas balizadas pelos objetivos do projeto: oficina de artesanato, oficina de produção de mudas e oficina de manejo de colmeias de abelhas nativas, um item prioritário para a conservação da biodiversidade. Essas oficinas eram desenvolvidas em comum acordo com os participantes do projeto, para que não ficasse parecendo uma imposição vinda da coordenação. Um dos resultados mais pronunciáveis e visíveis do projeto foi o fechamento de uma área de mais de dois hectares, na propriedade do senhor Vicente de Paula, em que vicejavam brotações de bacurizeiros para todo que é lado. Vicente e seu genro João cercaram a área com bolas de arame farpado, comprados com dinheiro do projeto, demonstrando a intenção de proteger os bacurizeiros, que ainda estavam na fase de crescimento, de qualquer perigo de queimada. Uma vez Vicente comentou que a sua propriedade de 160 hectares apresentava mais de dez hectares de bacurizeiros.
O tempo que durou o projeto permitiu ter consciência de outras carências que se infligia aos agricultores familiares pela falta de políticas públicas provenientes do Estado. A mais terrível dessas carências era a insegurança alimentar que as pessoas sentiam em seus domicílios em boa parte do ano e que contribuia para que os plantadores de soja avançassem sobre os terrenos dos agricultores que não viam outra saída a não ser vendê-los para obterem algum rendimento. Uma mudança nesse quadro passava pela produção sustentável e agroecológica de pequenos animais, no caso frango caipira e capote. Antonio Anísio, técnico agropecuário e ex-funcionário da Associação Agroecológica Tijupá, desenvolveu um projeto de criação de frango caipira para agricultores familiares de acordo com os recursos naturais que podiam ser encontrados no meio ambiente ao redor. Para todos os efeitos, seria um galinheiro rústico, pois os materiais que entravam na construção do galinheiro eram palha de babaçu, talo de buriti e estacas de madeira do Cerrado.
Propôs-se que o Fundo Casa apoiasse outro projeto no município de Buriti sob os auspícios da AMIB, e com a coordenação técnica do Fórum Carajás, com a justificativa que o projeto anterior fora realizado dentro da previsão e com os relatórios aprovados pela instituição apoiadora. Foram escolhidas famílias das comunidades da Bacaba, Mato Seco, Santa Luzia e Brejinho que dispunham de poucos recursos financeiros para iniciar um pequeno projeto que seja de produção. Esse projeto foi desenvolvido no ano de 2013 e mais outros projetos foram apoiados em mais de sete anos pelo Fundo Casa, em Buriti, e em outros municípios do Baixo Parnaíba Maranhense, que garantiram a geração de renda e a segurança alimentar de inúmeras famílias.
Uma dessas famílias é a do António José, morador da comunidade de Mato Seco, que vive como agregada no território da comunidade de Belém. É uma família de agricultores familiares (ele, a mulher, as filhas e os netos) e que criava galinha caipira da maneira tradicional, criando soltas, alimentando-as de vez em quando e etc. Com o projeto, Antônio José e a família criavam o frango caipirão que é um híbrido, um indivíduo com características da caipira e do frango de granja. Eles alimentavam os frangos duas vezes por dia, davam medicamentos e limpavam o galinheiro diariamente. O tempo de crescimento e de engorda durava três meses e a partir daí os frangos podiam ser vendidos ou consumidos pela família. A criação de frangos com apoio do Fundo Casa tirou do aperto financeiro e alimentar a família do Antônio José e muitas outras famílias.
O apoio do Fundo Casa aos projetos indicados pelo Fórum Carajás também contribuiu para a diminuição dos desmatamentos da floresta no Baixo Parnaíba Maranhense (Cerrado, Babaçu, Floresta Amazônica, Caatinga e restinga) e para a contenção do avanço da fronteira agrícola (soja, eucalipto e cana de açúcar).