18.08.2022

Incêndio se combate o ano todo – Comunidades do Pantanal se organizam para que desastres dos últimos anos não se repitam

Chamada do Fundo Casa para apoio às brigadas comunitárias recebe projetos até dia 22/08 e irá apoiar até 34 projetos no Pantanal, Cerrado e Amazônia

Desde 2019 o Pantanal sofre com secas intensas e queimadas devastadoras. De lá pra cá, foi uma repetição de notícias e cenas trágicas que assombram o Brasil em todo período de seca. Para a equipe de pesquisadores do Ecoa – Ecologia e Ação, que atua localmente no Pantanal desde 1989, a tragédia no Pantanal já era anunciada e foi resultado de uma série de descasos e agressões que o bioma sofreu nas últimas décadas. Em 2019 a área queimada no Pantanal chegou a 1,2 milhão de hectares e a equipe do Ecoa alertou que o pior ainda poderia estar por vir. A previsão se confirmou e vimos o desastre se repetir em 2020 e 2021, com números bastante preocupantes. A conscientização da população e o apoio e fortalecimento das brigadas comunitárias era uma resposta urgente que deveria ser tomada, e o Ecoa teve um papel muito importante nesta missão. Este ano as coisas melhoraram um pouco e a esperança é que em 2022 finalmente o Pantanal tenha menos queimadas.

Em 2020 a APA da Baía Negra teve 50% de seu território devastado pelos incêndios. Hoje a APA é um exemplo de unidade de conservação no Pantanal e conta com grande estrutura de brigada e aceiros. Foto: Thainan Bornato.

Entre os principais fatores que contribuíram para as queimadas no Pantanal estão as mudanças climáticas e mudanças no ciclo de chuvas. Essa mudança, apesar de ter ficado muito evidente a partir de 2018, não é exatamente uma novidade, segundo André Luiz Siqueira, mestre em biologia e Diretor Presidente do Ecoa, “O problema das mudanças climáticas já vem de uma década. Em 2014 a região de São Paulo enfrentou uma crise hídrica e outras regiões da Bacia do Prata também tiveram problemas e isso pode ter sim ligação direta com o uso e ocupação da Amazônia, pois já não é mais segredo pra ninguém que a floresta Amazônica influencia no regime de chuvas no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil.” Na década de 1960 o Pantanal enfrentou também uma grande seca, porém não havia uma soma de outros fatores que o bioma enfrenta atualmente, como barragens, assoreamentos causados por hidrovias e o uso irregular do solo, que afetam e intensificam os problemas. Hoje os rios perderam a capacidade de armazenar água que tinham no passado, para piorar, ainda existem novos planos de novas obras que podem afetar ainda mais o bioma.

André Luiz Siqueira, mestre em biologia e Diretor Presidente do Ecoa. “Nós temos uma relação histórica com o Fundo Casa que tem sido transformadora, da formação e apoio, empoderamento, o Casa sempre esteve lá em todas as pautas necessárias. Essa flexibilidade e adequação a realidade no campo que o Casa apresenta é rara no Brasil.”

Além dos graves impactos no bioma, a mudança no regime de chuvas e as graves queimadas afetam também os modos de vida tradicionais das populações locais ribeirinhas e indígenas. A floração e frutificação das espécies locais, como a laranjinha e a bocaiúva, foram muito afetadas, além de pomares inteiros que viraram cinzas. A pesca e coleta de iscas também foram muito prejudicadas, comprometendo as capacidades de geração de renda e a segurança alimentar destas populações. Além disso, os efeitos agudos da fumaça no ar somados aos impactos da covid, também trouxeram problemas de saúde a uma grande população, não apenas as comunidades tradicionais mas também aos moradores de cidades localizadas nos arredores do Pantanal, como Corumbá, Poconé e até mesmo Campo Grande, que se viram em meio a fumaça tóxica durante cerca de 120 dias durante o ano de 2020. Todo esse impacto das queimadas no Pantanal e as suas consequências começaram a chamar cada vez mais a atenção da população. A repercussão do desastre fez finalmente aumentar o investimento de recursos públicos para as campanhas e combate ao fogo, que por sua vez não são baratas. 

Confira o documentário “Brigadas comunitárias fortalecidas em defesa do Pantanal” produzido pela equipe do Ecoa e IBAMA Prevfogo, com apoio do Fundo Casa.

Apoio às brigadas comunitárias

O apoio às brigadas comunitárias tem se mostrado cada vez mais uma importante estratégia para evitar e combater os grandes incêndios no Pantanal, Cerrado e também na Amazônia. Estas brigadas formadas por moradores e populações locais, geralmente são as primeiras a chegar até os focos de incêndio, conseguindo atuar enquanto o fogo ainda não atingiu grande proporções e ainda pode ser controlado. Além disso, um trabalho ainda mais importante realizado pelas brigadas é o de prevenção, realizado durante todos os meses do ano, por meio de ações educativas, criação de aceiros e o monitoramento.

O Fundo Casa lançou em 2021 a sua primeira chamada totalmente voltada para o apoio às brigadas comunitárias. O valor total da primeira chamada foi de R$1,5 milhão de reais e foram apoiados 50 projetos de até R$30 mil cada, nos biomas Pantanal, Cerrado e Amazônia. Agora em 2022 uma nova chamada irá apoiar mais 34 projetos com valor total de cerca de R$1 milhão. Estas chamadas reforçam a importância que o Fundo Casa dá ao trabalho das comunidades de base na defesa e proteção dos biomas e da floresta em pé. O fortalecimento de organizações locais também faz parte desta estratégia, como é o caso do Ecoa, que possui amplos conhecimentos das complexidades do território e pode realizar ações muito estratégicas junto às comunidades locais. A parceria do Fundo Casa com o Ecoa não é de hoje, a organização atua há décadas dando suporte direto a dezenas de organizações de base na região Sul do Pantanal, dando assessoria a estes projetos ou atuando como parceiro financeiro de organizações pequenas. 

Treinamento da Brigada Comunitária da APA Baía Negra. Fotos: Victor Hugo Sanches

Em 2021 o Ecoa recebeu um apoio de R$250 mil para o fortalecimento de 9 brigadas no Pantanal Sul. Foram selecionadas localmente as brigadas que tiveram melhor atuação no ano de 2021, que receberam equipamentos como bombas hidráulicas, mangueiras hidrantes, roçadeiras, motosserras, galões de combustível, equipamentos de proteção individuais, entre outros itens importantes para o trabalho de combate e prevenção aos incêndios, proporcionando uma melhor condição para a atuação dessas brigadas. André destaca que além de atender as populações ribeirinhas e indígenas que vivem no Pantanal, estes equipamentos também estão disponíveis para uso do Corpo de Bombeiros e brigadistas do Prevfogo, trazendo maior velocidade de resposta ao trabalho, e isso já aconteceu algumas vezes. Com as grandes distâncias e dificuldades de logística no Pantanal, o fácil acesso a equipamentos no território permite que os brigadistas ganhem muito tempo, pois não precisam aguardar o deslocamento dos equipamentos de outras regiões.

Além dos apoios em equipamentos, o projeto realizado pelo Ecoa com apoio do Fundo Casa permitiu a reforma de 3 bases de brigadas indígenas, uma do povo Kadiwéu e duas do povo Terena, na bacia hidrográfica do Rio Miranda. As brigadas indígenas da região são muito atuantes, mas as bases de apoio precisavam de melhorias para poder melhor atender as necessidades das brigadas. Essas bases foram reformadas e agora são utilizadas para o armazenamento adequado de equipamentos e também como base administrativa.

Treinamento da Brigada Comunitária da APA Baía Negra. Fotos: Victor Hugo Sanches

Além deste grande projeto, o Ecoa possui uma estreita relação com a Associação de Mulheres Produtoras da APA Baía Negra, que possui uma brigada exemplar, apoiada no edital do Fundo Casa em 2021 e cujo as fotos ilustram esta matéria. A brigada também possui um histórico de importantes apoios da União Europeia, SOS Pantanal e WWF Brasil. Segundo André, “A APA Baía Negra é hoje uma unidade de conservação considerada um exemplo de gestão no Pantanal, é a primeira de uso sustentável com comunidades que vivem dentro de seu território e possui um comitê gestor muito atuante. Em 2020 quando a APA teve 50% do seu território queimado, nós decidimos implementar uma campanha chamada “Fogo Zero”, e de lá para cá nós fomos em busca de recursos.”

Como resultado dos apoios, parcerias e o trabalho da brigada, a APA hoje possui uma estrutura de aceiros que não existe em mais nenhuma unidade de conservação do Pantanal, além de 12 brigadistas e esquadrões extremamente atuantes durante o ano todo, que de acordo com André, “É muito raro em outras unidades de conservação”. Com os apoios, a comunidade conseguiu reformar a estrutura da sede administrativa da brigada e foram construídos dois dormitórios que estão possibilitando a realização de intercâmbios entre brigadistas, só em 2022 foram realizados 3 intercâmbios com a participação de brigadistas de Brasília e da Bolívia. 

Treinamento na Aldeia Mãe Terra. Foto: Victor Hugo Sanches

Neste ano as expectativas são melhores, com toda a mobilização realizada pelas brigadas e uma quantidade maior de chuvas, os incêndios devem ser menores que nos anos anteriores, mas isso não significa que as brigadas terão menos trabalho, o monitoramento é constante, afinal, o combate e prevenção são trabalhos sem interrupção. Para André, “Um passo futuro importante para o Pantanal é a criação de ferramentas de monitoramento participativo, para que seja possível gerar previsões de áreas que estão em uma situação de risco de queimada maior do que as outras.” Também é importante fortalecer a rede que integra todas as brigadas do Pantanal Sul com os órgãos públicos, para André, “É necessário discutir qual o futuro desta rede, realizar eventos nacionais e internacionais, proporcionando intercâmbios entre brigadistas de todo Brasil e também outros países da região.”

A chamada de projetos do Fundo Casa para apoio às brigadas comunitárias segue recebendo projetos até o dia 22 de agosto e deve fortalecer ainda mais as principais brigadas comunitárias do Brasil. A expectativa é que muitas brigadas já possam acessar diretamente o Fundo Casa, com a experiência adquirida nos últimos anos, mas a equipe de profissionais do Ecoa também irá continuar apoiando e acompanhando as 23 brigadas formadas no Pantanal Sul, dando toda a assessoria que for necessária.

Clique aqui e acesse a Chamada de Projetos – Apoio a grupos de base no enfrentamento de emergências climáticas provocadas a partir dos incêndios florestais

 

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