Liderando ações de alianças entre Fundos Locais no contexto Sul – Sul
O Fundo Casa tem se dedicado intensamente nos últimos anos à duas vertentes de atuação dentro do campo da filantropia internacional: (1) desenvolver uma narrativa forte que evidencie a diferença entre os fundos locais formados por ativistas do Sul Global e as categorias conhecidas e consolidadas durante a longa história da filantropia do Norte; e (2) documentar e compartilhar seu modelo diferenciado, também já consolidado pela sua história de apoio aos movimentos socioambientais da América do Sul. Durante esse processo de apoiar toda a região, ficou muito claro para nós que, quanto mais próximo e acessível um fundo está do público que queremos visibilizar, e melhor equipado para o trabalho de proteção de nossos importantes biomas, mais eficiente esse fundo se torna para financiar mais e mais comunidades locais mais vulneráveis e excluídas. Ficou claro também que, assim como fundos do Norte atuando nas nossas regiões têm alcance limitado a esse público essencial, um único fundo regional também tem.
Portanto, fazia muito mais sentido que fôssemos vários fundos locais, do que um grande regional, por maior que pudéssemos chegar a ser – porque nossa missão nunca foi centralizar uma boa ideia para crescer indefinidamente, mas sempre foi a de encontrar caminhos para fazer com que os recursos chegassem em volume expressivo, e de forma cuidadosa, rápida e eficiente, aos guardiões dos nossos biomas.
Com isso em mente, decidimos organizar toda nossa metodologia de apoio, nossa base filosófica e científica, nossa experiência de gestão e as relações no campo da filantropia, documentar tudo isso, e oferecer aos nossos aliados ativistas socioambientais nos países vizinhos ao Brasil – os que já nos aconselhavam nos nossos apoios diretos, e que poderiam ter a chance de eles mesmos mobilizarem e colocarem recursos nos grandes temas de seus países.
Também vislumbramos que vários fundos atuando de forma coordenada e complementar nos mesmos biomas transfronteiriços teriam muito mais possibilidades de mover adiante processos de proteção exitosos. A partir daí, começamos a consultar nossos parceiros e, para nossa alegria, ativistas de 6 países se interessaram em conversar mais sobre o tema. Desses países, quatro já rapidamente estruturaram seus fundos locais – além de um país africano que, coincidentemente, buscava modelos para criar um fundo socioambiental local. Vimos, por isso, que nosso modelo é replicável em qualquer contexto e em qualquer país. Como o Fundo Casa já mantinha relações muito próximas a outros 3 fundos similares mais antigos, decidimos entre os 9 fundos que já era hora de criar a Alianza Socioambiental Fondos del Sur.
Essa aliança, portanto, é formada por organizações locais, fundadas por atores locais experientes nos temas socioambientais de seus países, que criaram mecanismos de distribuição de recursos financeiros e ferramentas de fortalecimento de capacidades, compartilhando a mesma missão e visão de quem tem o conhecimento para proteger nossos biomas são as populações que sempre viveram neles. Estes fundos juntos cobrem mais de 27 países, e hoje se espalham pela América Latina, África e Sudeste Asiático. Visam apoiar diretamente as comunidades locais, protetoras dos grandes biomas planetários, principais responsáveis pelo equilíbrio climático e biodiversidade da Terra.
Eles têm um papel fundamental no financiamento de projetos e iniciativas que promovem o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente, o fortalecimento das comunidades locais, bem como o combate à desigualdade e ao racismo ambiental. Atualmente essa aliança conta com representantes do Brasil, Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, América Central, México, Sudeste Asiático e Moçambique.
Os fundos locais juntos também têm mais capacidade de acessar recursos, consolidar novas narrativas, e sensibilizar o campo da filantropia, pois nossa posição conjunta no mundo fortalece nossa missão e evidencia nossa capacidade coletiva de oferecer soluções únicas. Temos assim mais ferramentas para produzir conhecimentos e provocar discussões sobre como a filantropia pode contribuir para a transformação social e ambiental em países do Sul Global a partir do protagonismo dos seus atores, construindo caminhos seguros para que os recursos cheguem até as comunidades.
No contexto das mudanças climáticas, os fundos locais do Sul Global são fundamentais para o financiamento de projetos e iniciativas que promovam a adaptação e a mitigação dessas mudanças.
Esses fundos permitem que as comunidades locais implementem práticas e tecnologias sustentáveis, muitas já comprovadamente inovadoras, dentro dos campos do manejo florestal, da agricultura de baixo carbono, da gestão sustentável dos recursos hídricos, da promoção de energias renováveis, e tantas outras. Essas iniciativas não apenas contribuem para a proteção do meio ambiente, mas também para a melhoria das condições de vida das comunidades locais, reverberando nas soluções planetárias que todos buscamos.
Fundado em 9 de dezembro de 2021, numa live que, para nossa grata surpresa, atraiu mais de 100 financiadores, conseguimos contar para o mundo por que estávamos nos unindo. A partir daí, o interesse por essa iniciativa cresceu e, além de sermos procurados para participar de vários estudos de caso de muitas iniciativas da filantropia global, tivemos nosso primeiro compromisso de apoio coletivo, hoje já em andamento, de 8 milhões de dólares. O apoio vem do novo programa Forest Peoples and Climate, administrado pela CLUA – Climate and Land Use Alliance. Esse apoio nos possibilita uma consolidação institucional importante da própria Alianza, que inclui uma coordenação global, uma estrutura de governança e gestão conjunta, e recursos que estão sendo compartilhados igualmente para cada um dos 9 fundos. Além de recursos para a consolidação dos novos fundos e avanços dos mais antigos, aproximadamente 60% do valor total será doado diretamente para cerca de 800 grupos comunitários florestais por todo o planeta.
O Fundo Casa está imensamente feliz por ter inspirado todo esse movimento e por poder ser parte de algo muito maior do que nós – um legado não só para o trabalho de proteção do planeta, mas seguramente para o campo da filantropia.
Neste processo de quase 8 anos de construção dessas ferramentas de compartilhamento, de discussões globais e de uma sistematização que viabilizasse que nosso modelo fosse usado e adaptado para as realidades locais de tantos países, sempre encontramos alguns descrentes, claro. Uma teoria era a de que, criando mais fundos, estaríamos “dividindo a mesma torta”, só diminuindo o valor para cada país. Ou que, por passarmos a concentrar mais no Brasil, enquanto fortalecíamos fundos locais na região, nossos próprios recursos diminuiriam… mas nada disso aconteceu, muito pelo contrário.
Tínhamos certeza de que o Fundo Casa, por maior que fosse, nunca poderia atender a toda a demanda de todos os biomas de uma região tão imensa como a América do Sul. E, por experiência própria, realmente sabíamos não ser possível captar todo o recurso disponível para essa região. Ambas são questões que fundos locais independentes poderiam fazer por si mesmos, disponibilizando uma estrutura de repasse de recursos mais legítima e autêntica dentro da própria cultura, legislação, do próprio idioma e, importantíssimo, apoiando as demandas em moeda local – a única forma de chegar aos grupos que são nosso foco, os que não têm ideia de que o “campo da filantropia” existe, muito menos vão procurar ou encontrar editais para aplicar.
Nestes poucos anos de existência, dois a três, cada fundo tem sido capaz de acessar recursos que são direcionados exclusivamente para seus países, suas causas, e que têm crescido exponencialmente desde sua criação. Isso tem sido possível exatamente porque já nasceram contando com sistemas experimentados e consolidados que pudemos oferecer-lhes, intercâmbios que fazemos constantemente, e, obviamente, com seu próprio conhecimento profundo das causas ambientais de seus países.
O Fundo Casa, por sua vez, mais do que triplicou seu acesso a recursos próprios durante esse período, quase todo para o Brasil, viabilizando por volta de 500 apoios por ano em todos os nossos biomas e seus guardiões.
Além de que, temos podido trabalhar conjuntamente entre os 5 fundos Sul-Americanos nas nossas regiões transfronteiriças, complementando estratégias de apoio importantes para a avanço desses povos que dividem esses territórios.
Agora, além da América do Sul, poderemos compartilhar resultados expressivos com fundos socioambientais por todo o planeta, e isso não tem preço. Claro que nosso objetivo dentro do Fundo Casa, e como Alianza Socioambiental Fondos del Sur, é seguir apoiando novas iniciativas de ativistas do Sul Global que queiram criar seus próprios fundos.
Como Aliança, ter nosso próprio recurso compartilhado nos permite inclusive demonstrar ao campo internacional, que historicamente têm optado por fazer suas doações para o Sul Global através de instituições do Norte Global – principalmente aos donos dos novos recursos para clima – que existe sim, no Sul Global, estruturas capazes de aterrizar – ou localizar, como gostam de chamar – recursos expressivos para os povos das florestas e tantos outros atores relevantes nos nossos próprios países, para nossas próprias causas e para nossos próprios problemas, que só nós podemos solucionar.
Esperamos que esse seja o despertar de novo tempo para o movimento global de proteção à Vida, e a seus verdadeiros guardiões.
P.S: Em setembro de 2023 o Environmental Justice Fund, da Africa do Sul, se uniu a Alianza Socioambiental Fondos del Sur.
Este texto foi publicado originalmente no Relatório Anual 2022 do Fundo Casa Socioambiental. Clique aqui para acessar.
Quer saber mais sobre a Alianza? Entre em contato com info@alianzafondosdelsur.org