Projeto “Sementes Periféricas” promove inclusão social e transformação ambiental em Olinda
“Na nossa horta, não colhemos só alimentos, mas acolhemos mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ que, ano após ano, sofrem com as consequências das enchentes e das violências que nossa comunidade enfrenta.
Elisângela Maranhão dos Santos, coordenadora do projeto
Em Olinda, Pernambuco, o projeto “Sementes Periféricas: plantando e colhendo cuidados e saberes”, liderado pelo Coletivo Mulheres Periféricas e LGBT+, tem sido um exemplo de como a agroecologia pode funcionar como um agente de transformação social. Iniciado em julho de 2023 com apoio do Fundo Casa Socioambiental, a iniciativa busca promover a inclusão de mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ na região de periferia do estado, utilizando práticas sustentáveis e fortalecendo a justiça ambiental.
O projeto traçou como seus principais objetivos o fortalecimento da Horta Periférica, a criação de uma rede de troca e aprendizado entre hortas comunitárias e a promoção de debates sobre racismo ambiental e justiça climática. Um dos pontos centrais do “Sementes Periféricas” foi a ampliação da horta comunitária, que resultou na construção de 32 novos canteiros e no plantio de mais de 1.900 mudas e sementes. Além disso, seis mutirões foram realizados com a participação de 10 membros da comunidade.
“O projeto foi como plantar esperança na terra e ver florescer a transformação que tanto buscamos. Aprendemos que a agroecologia não é só sobre plantar, mas sobre resistir. A horta se tornou um espaço de reconexão, onde crianças, vizinhos e participantes se reconhecem, e juntos enfrentamos as injustiças climáticas e sociais que nos cercam. A criação da rede ‘Sementes Periféricas’ foi fruto desse engajamento, e nossas trocas de saberes fortalecem não só nossa comunidade, mas também a luta contra o racismo ambiental e as desigualdades que afetam nossas periferias”, explicou Elisângela Maranhão dos Santos, coordenadora do projeto.
A colheita beneficiou diretamente a população local, com 480 quilos de alimentos sendo distribuídos em forma de cestas básicas. As atividades, no entanto, não se limitaram ao plantio e colheita: momentos de meditação e práticas de cuidado mental foram integrados ao cotidiano do grupo, promovendo o bem-estar dos participantes.
Entre as muitas histórias de transformação dentro do projeto, a de Marcella Ramos, uma mulher trans da periferia de Peixinhos, se destaca. Marcella, que enfrentou os desafios das enchentes em sua comunidade, encontrou no “Sementes Periféricas” uma oportunidade de transformar sua vida. Ao se envolver no projeto, ela fortaleceu sua saúde mental e contribuiu para a revitalização da área, convertendo-a em um espaço mais verde e sustentável.
“Participar do projeto Sementes Periféricas transformou minha vida durante a pandemia. Na horta, não apenas aprendi a plantar e colher, mas também a fazer o bem ao próximo e a tirar pessoas da rua. É um espaço onde deixo meus problemas de lado e me dedico a algo maior. Amo a horta de coração e nunca quero desistir dela.”
Marcella Ramos, Sementes Periféricas.
Seu protagonismo cresceu, e Marcella se tornou uma das fundadoras do Grupo de Trabalho Temático de Diversidades na Articulação de Agroecologia e Agricultura Urbana da Região Metropolitana do Recife (AAUPRMR). Esse papel ampliou a presença de mulheres periféricas e da população LGBTQIAPN+ nos debates sobre políticas climáticas e segurança alimentar. O impacto de seu trabalho foi reconhecido em junho de 2024, quando foi homenageada pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE).
Reutilização de materiais e educação ambiental
Outra frente do projeto foi a campanha de coleta e reutilização de garrafas PET. A comunidade conseguiu reunir mais de 1.500 garrafas, que foram reutilizadas na construção dos novos canteiros da horta.
A troca de conhecimentos também foi fomentada por meio de quatro intercâmbios realizados entre diferentes hortas comunitárias da região. O “Encontro de Sementes”, que reuniu mais de 30 participantes, criou uma rede ativa de colaboração e preservação de sementes crioulas, tradicionalmente cultivadas de maneira ecológica e sem o uso de agrotóxicos. Esse movimento fortaleceu a resistência contra as ameaças ambientais que afetam diretamente a população de Olinda.
Como em todo projeto de impacto social, o “Sementes Periféricas” enfrentou desafios significativos. Um dos principais obstáculos foi a rotatividade da equipe e as dificuldades na comunicação interna. A coleta de garrafas PET, por exemplo, sofreu atrasos devido à troca frequente de membros do coletivo. A solução foi encontrada em ajustes orçamentários e no diálogo contínuo com a comunidade. Problemas de comunicação também foram superados por meio da adaptação das atividades planejadas, principalmente as que envolviam a produção de vídeos e áudios.
Segundo a coordenadora, o Fundo Casa Socioambiental forneceu suporte para a resolução de questões administrativas, contribuindo para a maior organização do projeto. Graças a esses ajustes, a iniciativa conseguiu cumprir seus objetivos e ampliou seu impacto.
“O apoio do Fundo Casa Socioambiental foi essencial e transformador. Ele nos permitiu ampliar a horta, fortalecer a rede de agroecologia e enfrentar as injustiças climáticas que nos impactam de forma desproporcional. Com esse apoio, conseguimos visibilidade, incidência política e fortalecimento institucional, o que é crucial para uma comunidade como a nossa. Foi esse suporte que nos permitiu crescer e nos engajar ainda mais na luta por justiça climática”, afirmou Elisângela Maranhão dos Santos, coordenadora do projeto
De acordo com Vanessa Purper, gestora de programas do Fundo Casa, o grupo responsável pelo projeto enfrentou o desafio de administrar seu primeiro financiamento, mas alcançou resultados surpreendentes. “O grupo, apesar de ter pouca experiência em gestão de projetos, realizou todas as atividades conforme o previsto, sempre com uma comunicação aberta e eficaz durante o monitoramento e a execução. Os resultados que surgiram foram surpreendentes, não só em termos do que foi alcançado na horta comunitária, mas também em relação à integração da comunidade”, explicou Vanessa.
O projeto também se destaca pela produção de alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos, que além de contribuírem para a segurança alimentar, trouxeram um impacto positivo na saúde mental dos participantes. “O contato com a terra, principalmente na produção de alimentos saudáveis, sem o uso de agrotóxicos, trouxe benefícios não apenas para a segurança alimentar, mas também para a saúde mental das pessoas envolvidas”, destacou Vanessa.
Outro ponto relevante do projeto foi a capacidade do grupo em captar recursos adicionais para garantir a continuidade das atividades. “Eles não só realizaram as atividades previstas, mas também desenvolveram estratégias para garantir financiamento contínuo para o espaço, que acolhe a comunidade LGBTQIAP+. Isso é algo crucial, especialmente para organizações que atuam na defesa de direitos de populações vulnerabilizadas”, acrescentou Vanessa.
A experiência do Sementes Periféricas demonstra a importância de iniciativas que, além de promoverem a produção de alimentos sustentáveis, integram e fortalecem as comunidades. Para o Fundo Casa Socioambiental, o sucesso do projeto é um exemplo claro de resiliência e compromisso com o futuro das comunidades marginalizadas.
Reconhecimento e visibilidade
O sucesso do projeto trouxe visibilidade ao Coletivo Mulheres Periféricas e LGBT+. O grupo foi reconhecido nacionalmente por sua participação na Articulação de Agroecologia e Agricultura Urbana e foi finalista na Vitrine TetraPak 2023. Além disso, o coletivo recebeu Menção Honrosa no Prêmio Consciência Ambiental, o que abriu portas para novas parcerias e garantiu um financiamento adicional de R$35.000,00 para fortalecer a horta.
O projeto “Sementes Periféricas” demonstra como a agroecologia pode ser uma ferramenta poderosa para a inclusão social, o fortalecimento comunitário e a justiça ambiental. Ao proporcionar um espaço para a expressão e o engajamento de mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ em questões climáticas, o coletivo de Olinda criou um ambiente mais sustentável e inclusivo, além de influenciar as discussões sobre políticas públicas ambientais.
O impacto do projeto é visível não apenas nas práticas de plantio e colheita, mas também na transformação pessoal e comunitária de seus participantes. Histórias como a de Marcella mostram a importância de apoiar iniciativas que promovem a sustentabilidade e a inclusão, provando que essas ações podem gerar mudanças significativas e duradouras em comunidades vulneráveis de todo o Brasil.
“Os círculos restaurativos que realizamos são momentos de cura coletiva, onde nos reconectamos com a terra e umas com as outras. Para muitas, esse espaço tem sido um respiro em meio às dificuldades. Nosso sonho agora é continuar fortalecendo a horta e expandir ainda mais o impacto do nosso trabalho, talvez até participando de debates maiores como a COP. Se conseguimos transformar uma horta periférica, por que não sonhar mais alto?”
Elisângela Maranhão dos Santos, coordenadora do projeto
Confira a publicação Voces del Sur
Confira a publicação Voces del Sur
Essa reportagem é parte da Voces del Sur, publicação anual da Alianza Socioambiental Fondos del Sur, da qual o Fundo Casa é membro.
A edição celebra o terceiro aniversário da Alianza com o lançamento de Voces del Sur. Esta edição homenageia o poder da filantropia do Sul Global, baseada no conhecimento local. Apresenta histórias inspiradoras de organizações comunitárias e dos fundos que as apoiam em seus esforços para avançar na justiça social e ambiental, enquanto protegem a biodiversidade.
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