Uma parceria transformadora: Fundos CASA e CAIXA
Durante as últimas semanas, o site do Fundo Socioambiental CASA trouxe 10 histórias muito especiais, apresentando pessoas, comunidades e iniciativas de grande importância e impacto que coroaram os 10 anos de trabalho da instituição.
Para engrandecer essa comemoração especial, apresentamos aqui, com muita honra e alegria, a grande parceria firmada entre o Fundo Casa e o Fundo Socioambiental CAIXA– um encontro entre parceiros que se reconhecem e percebem o grande potencial de suas ações.
Essa parceria possibilitou o lançamento do Edital do Fundo Casa, lançado em 2015, passo importante para ampliar o trabalho sério e comprometido da equipe apaixonada do Fundo CASA, que acredita no que faz e se alegra em ver centenas de comunidades transformadas com iniciativas bem sucedidas em toda a América do Sul.
A Diretora Executiva do Fundo Casa, Cristina Orphêo, fala da importância dessa parceria: “Houve grande sinergia entre os dois Fundos e uma grande experiência na atuação conjunta. Com essa parceria, pudemos apoiar até agora 100 projetos, de 30 mil reais cada, todos com o mote comum que é “Fortalecendo as Comunidades na busca pela Sustentabilidade” em diversas cidades do Brasil. Portanto, esses projetos foram contemplados com o valor total de R$3 milhões de recursos do Fundo Socioambiental CAIXA para aquisição de equipamentos, além das Oficinas de Construção de Capacidades dos grupos apoiados. Desta forma, ampliam-se os caminhos para as comunidades buscarem a sua sustentabilidade e fortalecerem o protagonismo local.”
Estratégia eficiente e inovadora
Jean Rodrigues Benevides, Gerente Nacional de Sustentabilidade e Responsabilidade Socioambiental da Caixa Econômica Federal, explica o que levou a essa aproximação:
“Os objetivos e a forma como opera o Fundo CASA nos interessou muito pela proposta de apoio a pequenos projetos de grande impacto. A possibilidade de atuarmos em parceria com entidades com reconhecida experiência na mobilização de comunidades de base não apenas potencializa o alcance dos objetivos comuns mas, ainda, promove a convergência de interesses na ampliação de uma capilaridade na execução de projetos socioambientais.
A parceria está apenas começando e os relatórios dos primeiros projetos não foram ainda concluídos, mas o gestor da CAIXA, Jean Benevides, afirma sua admiração diante do alcance do Edital: A partir das propostas selecionadas é possível identificarmos a grande diversidade e riqueza das temáticas abordadas no Edital, alcançando grupos e comunidades em todo o país. O que vemos nesses projetos reproduz de forma bem concreta o ‘pensar global e agir local’. Há projetos que enfocam as mudanças climáticas, a redução da pobreza, a geração de renda, a criação de tecnologias sociais, consumo sustentável, redes para a ação cidadã.”
“O aspecto mais inovador do Fundo CASA é a estratégia e o modelo de divulgação do edital, muito participativo, amplo. A rede de instituições parceiras permite que o edital chegue a um público formado por comunidades e instituições, que, de outra forma, não teria acesso aos editais públicos. Há uma sinergia.” Completa Jean.
O sol é de graça e para todos
Um dos temas de destaque neste primeiro Edital é a produção de Energia Solar, revelando que é possível trilhar um outro caminho nessa questão tão delicada das matrizes energéticas.
Joilson José Costa, engenheiro elétrico por formação e um dos principais articuladores da Campanha Nacional por uma Nova Política Energética, explica que “A Campanha foi criada a partir do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social e tem por objetivo promover uma nova política para o setor elétrico no Brasil, à altura dos desafios do século 21. Ela se baseia em princípios de eficiência econômica, justiça social, respeito à diversidade cultural, participação democrática e sustentabilidade ambiental. Esse é o objetivo do projeto ‘Energia para a Vida – promovendo e visibilizando a energia solar fotovoltaica’ que aprovamos neste Edital dos Fundos Caixa e CASA.
“Estamos promovendo oficinas para traduzir da forma mais simples e popular possível o que é a energia fotovoltaica, o seu potencial, as formas de uso – diz Joilson. Estamos reunindo um público bem amplo como as comunidades locais onde acontecem os encontros, estudantes de engenharia e de arquitetura para esclarecer dúvidas e apresentar os benefícios da geração de energia fotovoltaica, produzida por painéis, nas residências das pessoas ou empresas. Queremos mostrar que a tecnologia hoje é muito simples e viável e poderia ser incentivada por linhas de crédito especiais.
“Hoje não há incentivo por parte do Governo Federal, por isso estamos tentando chegar nos níveis estaduais e municipais, trazer casos emblemáticos como o de um conjunto habitacional em Juazeiro, na Bahia(*), onde além de gerar sua própria energia, as famílias estão conseguindo auferir renda. Não precisamos expandir ainda mais a geração de energia por hidrelétricas, que viola direitos ambientais e de comunidades, nem precisamos dos conflitos que estão surgindo com a energia eólica, nem queimar combustível nas termelétricas. O sol está aí, é de graça e para todos.”
(*) Projeto Geração de Renda e Energia implementado nos Condomínios Praia do Rodeadouro e Morada do Salitre em Juazeiro (BA), ambos do Programa Minha Casa Minha Vida, apoiado com recursos do FSA CAIXA.
Iluminando a vida e a consciência
Essa mesma consciência mobilizou a comunidade de Surucuá, no médio Rio Tapajós, na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, a criar um projeto de geração de energia através de uma mini usina fotovoltaica para o processamento de frutas nativas e de farinha de mandioca, produtos que asseguram a geração de renda para a comunidade.
O projeto foi apresentado pela Associação Comunitária de Moradores e Produtores Agroextrativistas de Surucuá – AMPROSURT. Ângelo Ricardo Souza Chaves, coordenador do projeto, vem de uma família que sempre viveu na comunidade de Surucuá e tem orgulho da ascendência indígena que, diz, está no sangue e nos hábitos. Ele nasceu e cresceu na comunidade e só saiu com 17 anos para estudar em Manaus. Foi para fazer o curso técnico de agropecuária e acabou ficando. Fez faculdade de Engenharia Ambiental, se casou, mas decidiu voltar. A vontade de contribuir com a comunidade a partir da experiência que acumulou fora era um sonho de criança.
“É um desafio muito grande – diz Ângelo. Apesar da beleza do lugar, há muitos problemas sociais, falta estrutura e a corrupção está em toda parte. É muito difícil lidar com essa realidade, mas precisamos buscar saídas para a comunidade. A Associação já existia quando eu voltei, mas estava desarticulada. Quando soubemos do Edital do Fundo CASA reunimos a comunidade e resolvemos propor o projeto.
“A partir desse movimento, a comunidade se uniu até pra (sic) discutir de forma mais ampla os assuntos da RESEX – Reserva Extrativista. Se desencadearam várias parcerias, houve o fortalecimento institucional da associação e a proposta de criação de uma cooperativa para fornecer produtos para o governo.
A dinâmica natural dos rios e das populações
“No começo, muitas pessoas não acreditavam, – continua Ângelo. Diziam que já tinham passado por isso, já haviam tentado outros projetos, mas nunca dava certo. Mas com algumas poucas ações já conseguimos progresso. A farinha de mandioca, que é o principal produto da comunidade, agora está mais valorizada. Estamos melhorando a higiene, a qualidade da farinha, criando referências para o produto que é orgânico.”
Mas além de todos os problemas internos à reserva, há uma questão maior que preocupa a todos neste momento, já que as comunidades serão afetadas diretamente pelo barramento do Rio Tapajós para a principal hidrelétrica prevista.
“O principal alimento das comunidades ribeirinhas é o peixe e todo o ecossistema vai ser afetado pela barragem. As pessoas vivem ainda a ilusão de ter energia, ou de ter emprego. Essa é a fantasia vendida para essas populações que querem ter esse direito à energia, mas não conseguem avaliar os impactos, nem sabem que existem alternativas. O projeto da mini usina fotovoltaica vem como um exemplo de alternativa viável, possível, sem impacto… As pessoas de fora enxergam a floresta e os rios por seu potencial econômico. Por essa visão, acreditam que devem ocupar esses espaços e aproveitar seu potencial. Mas na verdade, essa região já é ocupada, tem uma população que a utiliza, que enxerga sua importância. Existe uma dinâmica natural dos rios e das populações, há séculos, que o capitalismo, com sua ignorância, não respeita.”
Estamos aqui há muito tempo
Outro projeto aprovado neste Edital envolve também a geração de energia fotovoltaica em uma comunidade que enfrenta uma realidade diferente, mas não menos complexa. O projeto foi apresentado pela Associação de Cultivadores/as de Algas de Maceió – ACALMA, do Assentamento Maceió, distrito de Baleia, Itapipoca-CE. “Seu” Chico, como é conhecido o Sr. Francisco Gaspar dos Anjos, é secretário da associação, criada em 2011, e fala sobre a sua comunidade: “A gente vive no Assentamento Maceió, onde estão 11 comunidades e uma população de 6 mil pessoas, mas mantemos há nove anos um acampamento de resistência na faixa da praia para assegurar esse território contra um grande empreendimento de especulação imobiliária. Nós estamos aqui há muito tempo e temos uma forma tradicional de ocupar a terra, somos agricultores e pescadores, por isso a Associação é uma ferramenta muito forte na luta para demonstrar que temos um projeto para essa área da praia, para garantir o acesso livre das pessoas ao mar. Nós valorizamos nossa cultura, o trabalho coletivo, a presença da juventude. Fazemos cursos, encontros, pesquisa e intercâmbio para fortalecer mais nossa organização.
“Aqui, além da agricultura e da pesca, nós cultivamos algas na faixa do mar. Fazemos a coleta sem agredir o meio ambiente nem prejudicar a reprodução das algas e nas balsas fazemos a engorda até o tempo da colheita para o beneficiamento. Com isso produzimos alguns produtos como a mousse de algas, a cocalga (que é a cocada de alga) e a alga em pó (desidratada e moída). Por isso, a grande importância desse projeto que o Fundo CASA está apoiando, a energia nesse acampamento vai fortalecer ainda mais nossa luta.
“Temos muito carinho por cada cidadão ou entidade que vem partilhar e valorizar a nossa cultura, a forma tradicional de vida do povo nativo. Muita gente não entende nosso ideal, acha que somos atrasados, contra o desenvolvimento. Nós temos um sonho que é chegar a um nível de renda que assegure a sobrevivência dos jovens aqui na comunidade, para que eles não tenham que sair daqui. Com nossa força e perseverança, vamos chegar lá…”
Chegando a todos os cantos
Além dos muitos projetos relacionados à energia outras iniciativas de grande importância são destacadas por Jean Rodrigues, do Fundo Socioambiental CAIXA: “Eu fico realmente impressionado ao constatar onde conseguimos chegar, o impacto das ações dos projetos – ainda que os recursos disponibilizados não sejam tão grandes assim. O Edital propiciou apoio a projetos de ação urbana, de turismo na comunidade da Rocinha, de catadores de material reciclado, de mulheres indígenas que fazem artesanato, temas de extrema importância e diversidade. Podemos identificar o destaque ao público beneficiado que engloba mulheres, jovens, indígenas, redes de cadeias produtivas. Isso dá a dimensão do alcance do Edital, com o propósito alinhado a políticas públicas, como a questão da água, nesse momento de crise hídrica que vivemos.”
Essa temática da água está presente em alguns projetos emblemáticos como o “Captando água, semeando vida”, da Cooperativa dos Agricultores Agroecológicos Boa Esperança – COOAABE. Esse assentamento provisório foi criado há oito anos no município de João Ramalho/SP, uma região de muito conflito, no noroeste do estado, conhecida como Pontal do Paranapanema. Ali as questões são muitas, como a falta de estrutura para os assentados, a divisão da terra em lotes sem uma área comum de cultivo, a falta de suporte técnico aos assentados, alcoolismo, atritos políticos, tudo isso agravado pela escassez de água que impede o cultivo em muitos lotes.
Esse projeto, apresentado pela cooperativa, já concluiu a construção das três cisternas previstas, com a técnica de ferro cimento para aproveitamento da água da chuva e com isso permitir o cultivo em alguns lotes selecionados pela Associação para implantação do projeto.
Curando a terra
Dona Diva e o Sr. Tião (Sebastião Mendes de Oliveira) são casados e construíram além de uma bela família, que vive e trabalha junto no assentamento, a Associação que apresentou o projeto em parceria com a Incubadora de Cooperativas Populares, ligada à UNESP de Assis.
“Foi muita luta para conseguirmos um pedacinho de terra – diz o Sr. Tião. E para organizar o povo e melhorar mais a vida criamos a Cooperativa dos Agricultores Agroecológicos Boa Esperança – COOAABE. Temos oito anos de assentamento e agora, com a cooperativa e os projetos, a vida mudou muito. Melhorou demais. Aqui eu vivo uma vida tranquila com minha família, sou meu próprio patrão, enxergo o resultado do meu trabalho. Estamos com a horta, melhorando a produção e caminhando para a agroecologia. Quando chegamos aqui não tinha nada, era uma terra devastada. Nós estamos fazendo ela ficar boa, está aí, cheio de árvore agora, tem muita fruta…logo vamos ter nossas próprias sementes, mudas…
“Não é fácil juntar o povo assim, para viver no assentamento. Vixe! As pessoas não estão acostumadas a conviver, a trabalhar junto, a pensar no trabalho. A maioria sempre teve patrão, está acostumada a ser mandada. Então demora para entrar na cabeça, para aprender… mas a gente tem paciência” – diz o Sr. Tião.
A família de Dona Diva também veio da roça. O pai, como ela afirma, ajudou a desmatar o Paraná, não tinha consciência do que estava fazendo, mas agora eles percebem os danos causados à terra e a importância de novas ações.
“A gente sofreu muito trabalhando de empregado a vida inteira. O dinheiro mal dava para o mercado. Não sobrava nem para um chinelo de borracha… Agora estou feliz! Vixe! Nunca trabalhei tanto na vida, mas o fruto do trabalho é nosso. O projeto da cisterna veio no momento certo, quando a chama já estava se apagando. Aí juntou todo mundo no mutirão, com festa, muita comida pra todo mundo. Até os que não trabalharam vieram comer… mas a gente nem ligou. Come aí, eu dizia, assim eles chegam mais perto.
“Na reunião a gente escolheu onde ia ser (sic) as primeiras cisternas. Escolhemos as famílias que não plantavam porque não tinham água. Não adianta brigar para ter uma terra e depois ir trabalhar na cidade. A gente tem que valorizar o que tem. A gente tem que ser o espelho para os outros. Se nós formos maus, vamos refletir a maldade. Se a gente for bom, os outros vão se espelhar e espalhar a bondade.”
A água unindo e alimentando o coletivo
Os mutirões para construção das cisternas aproximaram a comunidade, apresentaram formas novas de trabalho e cooperação. Mais do que a construção das cisternas, a comunidade incorporou uma tecnologia social de construção que pode ser multiplicada e gerar renda para as famílias, conquistou organização, autoestima e confiança. Bens valiosos que devem durar para sempre.
O que vem fortalecer as palavras de Jean Rodrigues, do Fundo Socioambiental da CAIXA: “Percebemos a efetividade dessa iniciativa, a importância de nossa parceria e esperamos ver no Prêmio Caixa de Melhores Práticas muitos dos projetos apoiados nesse Edital. Porque mais do que premiar, o interesse da CAIXA é reconhecer e divulgar experiências bem-sucedidas e estimular que sejam reaplicadas país afora.”
E para fechar a história, fica um convite generoso de Dona Diva, com sua sabedoria de mulher que sabe cuidar da terra para que ela produza o alimento e a alegria. Um convite de dar água na boca:
“Eu cheguei da roça agora e vou fazer a janta: uma sopinha de mandioca fresquinha que trouxe lá da roça. Tá servido?”
Texto por: Angela Pappiani – Jornalista, produtora cultural na Ikore
e conselheira no Fundo CASA desde sua fundação. |