23.06.2022

Apoio às comunidades quilombolas: Criando pontes para o bem viver

Imagem de capa: Tamiris Ferreira de Jesus – Quilombo dos Rufinos. Foto: Thiago Rodrigues

Os povos quilombolas do Brasil possuem uma grande relação com a natureza ao redor de seus territórios e passam de geração em geração seus conhecimentos tradicionais e ancestrais, que envolvem uma rica e diversa cultura. Segundo dados do IBGE e da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) estima-se que existam no Brasil cerca de 6 mil localidades quilombolas. Dentre estas comunidades, apenas 5% estão em territórios oficialmente reconhecidos e demarcados. Estas comunidades sofrem com as consequências do racismo estrutural, invisibilidade e ameaças aos seus territórios. Recentemente, as dificuldades se multiplicaram após os impactos causados pela pandemia de covid-19, com a falta de acesso aos serviços públicos de saúde, dificuldades econômicas e, consequentemente, a insegurança alimentar.

Gruta dos Brejões. Foto: Leandro Ribeiro e Lenec Mota (distropya.com)

Foi para apoiar as comunidades quilombolas a enfrentarem as dificuldades trazidas pela pandemia que o Fundo Casa lançou em 2021 a Chamada de Projetos para Apoio às Comunidades Quilombolas no Enfrentamento dos Impactos Causados Pela Covid-19, com foco nas regiões Norte e Nordeste, onde estão localizadas a maioria das comunidades quilombolas do Brasil. A chamada teve um valor total de R$1 milhão e apoiou 33 projetos de até R$30 mil cada. A sustentabilidade econômica, a promoção da soberania e segurança alimentar, o fortalecimento da resiliência comunitária e a defesa dos direitos nas comunidades foram os principais temas apoiados nesta chamada.

Quilombo Gruta dos Brejões. Foto: Leandro Ribeiro e Lenec Mota (distropya.com)

Quase um ano depois da abertura da chamada, apesar de ainda não estarem finalizados, muitos projetos já começam a demonstrar interessantes resultados, como é o caso do Quilombo Gruta dos Brejões, antiga comunidade quilombola situada ao norte do município de Morro do Chapéu, dentro da Apa Gruta dos Brejões, região de Caatinga do estado da Bahia. A região sofre com as estiagens prolongadas, por este motivo, não é sempre que as lavouras produzem como o esperado e muitos homens da comunidade acabam se deslocando para outras cidades em busca de trabalho e algumas famílias passam por dificuldades. Nos tempos passados, uma das formas de gerar renda era por meio da produção de rapaduras no engenho, que depois eram transportadas por grandes distâncias para serem vendidas ou trocadas por outros itens.

Gruta dos Brejões. Foto: Leandro Ribeiro e Lenec Mota (distropya.com)

De uns tempos para cá, o turismo tem se tornado uma importante fonte de renda para a comunidade. A Gruta dos Brejões, incrível formação geológica da região, está atraindo turistas e já é uma atividade econômica viável, a atividade gera renda para os guias, para as cozinheiras e também com hospedagens, proporcionando trabalho para quase todos da comunidade. Porém, durante a pandemia o turismo foi totalmente paralisado no quilombo, até mesmo para proteger a comunidade do vírus. Segundo Anailde Pereira dos Santos, Presidente da Associação Quilombola de Gruta dos Brejões, “a pandemia foi uma época muito difícil, nós mesmos pedimos para que os turistas não viessem, então ficou muito complicado e buscamos soluções para ajudar a comunidade, pois não havia trabalho nem renda, não tinha como a gente sobreviver, agora está melhorando aos poucos”.

 

Foi pensando em ampliar as capacidades de geração de renda que Anailde inscreveu o projeto Costura de Quilombo na chamada de projetos do Fundo Casa. Com foco em beneficiar principalmente as mulheres da comunidade, o projeto aprovado está apoiando a criação de um pequeno ateliê, onde as mulheres estão desenvolvendo uma linha de confecção inspirada na cultura afro, gerando renda para suas famílias e ajudando a promover a sua identidade cultural.

Ateliê de costura do projeto Costura de Quilombo. Foto: Acervo Quilombo Gruta dos Brejões

Segundo Anailde, “esse projeto é maravilhoso, é uma coisa incrível que a gente sempre sonhava, e agora está acontecendo aqui na comunidade através do Fundo Casa”. Com o apoio, foram adquiridas 10 máquinas de corte e costura novinhas, além de bancadas, insumos como malhas, linhas, acessórios para as máquinas e treinamentos para que as mulheres possam aprimorar as técnicas de costura. Anailde nos conta que, “todo mundo está animado com as costura, inclusive em agosto queremos fazer um desfile de miss quilombola. Serão as meninas da comunidade vestindo as roupas que fizemos.”

Anailde Pereira dos Santos, Presidente da Associação Quilombola de Gruta dos Brejões. Foto: Leandro Ribeiro e Lenec Mota (distropya.com)

Em Pombal, na Paraíba, a cerca de 800 quilômetros de Morro do Chapéu, a comunidade do Quilombo dos Rufinos também está dando importantes passos rumo à sustentabilidade financeira. Assim como o Quilombo Gruta dos Brejões, os Rufinos estão abrindo caminhos para uma modalidade de turismo que valorize a cultura tradicional quilombola e também o meio ambiente.

O grupo folclórico e cultural Os Pontões possui mais de 200 anos de história e tradição. Foto: Thiago Rodrigues

O Quilombo dos Rufinos, reconhecido pela Fundação Cultural Palmares em 2011, é um dos quilombos do município de Pombal, assim como o Quilombo dos Daniel. As comunidades são guardiãs de tradições seculares, como o grupo folclórico e cultural Os Pontões, que existe há pelo menos 200 anos. Segundo o presidente da Associação, Thiago Rufino, que é historiador e atualmente trabalha no registro histórico de sua comunidade, a tradição dos Pontões tem origem nas festas de Nossa Senhora do Rosário e faz parte de uma luta histórica da comunidade negra que também desejava participar das festas religiosas, porém durante muitos anos não era autorizada a festejar.

Thiago Rufino é historiador e atual presidente da Associação Quilombola dos Rufinos. Foto: Thiago Rodrigues

A Associação Quilombola dos Rufinos foi fundada em 2013 e tem como objetivo proporcionar melhores condições de vida aos quilombolas. Ao todo, 135 famílias fazem parte da comunidade quilombola, mas apenas 42 moram dentro do território. Em 2020, com a pandemia, a comunidade sentiu os impactos de diversas forma, Thiago Rufino nos conta que “além da perca humana de três pessoas membros da comunidade, vítimas dessa triste doença, o impacto sócio econômico foi gigantesco. O grupo do artesanato Os Rufino, sofreu uma redução significativa na saída de seus produtos artesanais, isso impactando diretamente na rentabilidade dos artesãos. As feiras de artesanato, de exposições Paraíba a fora suspensas por causa da pandemia, não foi possível a participação dos artesãos nesses locais oportunos de comercialização, por causa do fechamento em decorrência da COVID. Portanto, houve uma redução de retorno financeiro para o grupo, isso impactando diretamente nos seus rendimentos de subsistência.”

A cerâmica de barro é uma importante fonte de renda no Quilombo dos Rufinos, porém as vendas foram prejudicadas durante a pandemia. Foto: Thiago Rodrigues.

Em 2021, a Associação inscreveu seu projeto Turismo étnico e valorização nas terras dos Quilombolas “Os Rufinos” na chamada do Fundo Casa e a iniciativa foi contemplada. Segundo Thiago, “o apoio foi muito importante e foi a primeira contemplação em editais que nós conseguimos”. O objetivo do projeto é amenizar os impactos trazidos pela covid e também fortalecer o turismo comunitário como uma forma de gerar trabalho e renda.

Damião da Silva Santos, integrante do grupo folclórico e cultural Os Pontões. Foto: Thiago Rodrigues

Atualmente, a comunidade já recebe turistas de forma esporádica, mas agora a ideia é organizar e profissionalizar a comunidade para que possam receber grupos de turistas agendados. Além das atrações naturais, como trilhas ecológicas e o Rio Piranhas que corta a comunidade, os visitantes poderão ter uma verdadeira experiência de como é a vida no quilombo e aprender mais sobre a cultura quilombola. O projeto está apoiando a construção de uma cozinha que será feita dentro dos padrões tradicionais de construção, utilizando o tijolo de barro batido, produzido ali mesmo na comunidade. No restaurante, os turistas vão poder degustar pratos típicos como o baião de dois, o quarenta, feijoada, mungunzá e a cocada.

A Casa do Barro Dona Edith é uma construção histórica e o ateliê onde é feita a cerâmica de barro no Quilombo dos Rufinos. Foto: Thiago Rodrigues

Além dos pratos típicos, os visitantes também poderão conhecer a Casa do Barro e a cerâmica artesanal feita na comunidade, uma arte transmitida há pelo menos três gerações. Dentro do projeto do turismo, também está incluso formações em penteado afro, uma tradição que já existia dentro da comunidade, mas estava adormecida e agora está sendo retomada. Os penteados, além de valorizarem a cultura, também aumentam a auto estima da comunidade.

João Miguel dos Santos Rufino, representante da nova geração dos Rufinos. Foto: Thiago Rodrigues

O resultado de um projeto como este não acontece de uma hora para outra, é um processo lento que precisa de seu próprio tempo para acontecer. Mas é uma importante iniciativa. Algumas famílias que haviam se mudado para as cidades próximas agora começam a voltar para o território tradicional com as novas perspectivas de trabalho. O turismo comunitário e a cerâmica de barro serão um bom complemento de renda para algumas pessoas, mas para outras será a fonte de renda principal. A Associação possui uma parceria com o Sebrae e já existem grupos de turismo agendados para julho e agosto de 2022. Ainda existem desafios como o próprio acesso à comunidade, que em épocas de cheia no Rio Piranhas fica isolada do restante do município, mas aos poucos as coisas vão mudando e já existe um projeto para uma nova ponte. Thiago nos conta que “a ideia é que este projeto não seja algo apenas para agora, mas que seja algo para o futuro, que tenha resultados a longo prazo”. Nós torcemos para que esta e outras pontes entre as comunidades quilombolas e um futuro sustentável sejam fortes e duradouras, e que o bem viver seja rotina para as futuras gerações.

Aliança entre Fundos

Esta iniciativa foi apoiada dentro do contexto da Aliança entre Fundos – surgida a partir da mobilização comunitária pela justiça racial, social e ambiental – propõe um novo modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil, a filantropia colaborativa para a justiça social.

Composta pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental, a Aliança entre Fundos tem como meta promover maior aporte de recursos diretos para os povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos tradicionais mais vulnerabilizados pela pandemia da COVID-19.

Juntos, os Fundos realizaram um aporte inicial de R$ 2,5 milhões, distribuídos em diferentes editais, com três recortes prioritários: 1) defesa de direitos; 2) resiliência comunitária e sustentabilidade econômica das famílias; e 3) soberania alimentar das populações menos favorecidas no enfrentamento da pandemia.

 

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