Do Desperdício à Geração de Renda: como as mulheres da comunidade indígena Xucuru Kariri, de Alagoas, transformaram banana em oportunidade
Apoiadas pelo Fundo Casa, o projeto transforma a banana em uma fonte de renda, fortalecendo a economia local e a autonomia das mulheres da comunidade.
Palmeira dos Índios, AL – No Nordeste do Brasil, a comunidade indígena Xucuru Kariri, de Alagoas, está redefinindo sua trajetória econômica com a ajuda de uma solução eficiente. Diante dos desafios impostos no período da pandemia, a associação encontrou uma forma de transformar sua principal colheita, a banana, em uma nova fonte de renda.
O projeto Banana Chip Magia da Terra, desenvolvido pela Associação Indígena do Grupo Wpyra Swpyra, tem como objetivo fortalecer a geração de renda e a segurança alimentar no território, focando na produção de doces e derivados de banana. Apoiado na chamada Apoio a Grupos de Base no Enfrentamento Da Covid-19 em 2021, organizada pelo Fundo Casa, o projeto envolveu diretamente 60 pessoas, sendo 30 mulheres, que participaram de atividades como capacitações e produção de alimentos.
A Associação tem como missão fortalecer a medicina tradicional indígena e preservar a cultura, destacando o papel da mulher como protagonista em seu espaço social. O nome da associação, na língua Kipeaá, significa “levantar, erguer”, simbolizando essa missão. A língua Kipeaá, do tronco Macro-Jê, é parte fundamental da identidade do povo Xucuru Kariri, que se dedica a manter vivos seus saberes e tradições ancestrais.
Koram Xucuru, técnica de enfermagem, terapeuta holística e “mezinheira”, curandeira que utiliza plantas medicinais e saberes tradicionais para cuidar da saúde da comunidade, é presidente da Associação e a força por trás deste projeto. Juntamente com outras mulheres, têm utilizado suas habilidades para empreender e melhorar a vida dos indígenas Xucuru Kariri. O projeto está transformando o beneficiamento da banana na Aldeia da Mata da Cafurna, trazendo novas perspectivas e oportunidades para a comunidade.
Durante a pandemia, a comunidade indígena enfrentou um grande desperdício de bananas cultivadas tradicionalmente. Segundo Koram Xucuru, a banana, que sempre teve importância cultural e ancestral para o povo, começou a ser vendida nas cidades vizinhas após a invasão das terras indígenas, o que limitou o espaço disponível para o plantio. No entanto, ao tentar comercializar a fruta, a comunidade se deparou com o baixo valor de mercado para suas bananas orgânicas, já que a produção convencional com agrotóxicos dominava as feiras e mercados.
A liderança destacou que a banana orgânica, apesar de ter qualidade superior, não era valorizada comercialmente. Ao retornar para a aldeia, muitas bananas amadureciam rapidamente e estragavam em poucos dias. “Nós tínhamos muita banana, e essa banana estava sendo desperdiçada. Quando levávamos para a cidade, não tinha valor comercial, porque nossa banana é orgânica, não tem agrotóxico. Então, comecei a desidratar a banana no forno a lenha,” explicou Koram.
Essa solução surgiu da necessidade de evitar o desperdício e conservar a fruta por mais tempo. Desidratadas no forno a lenha, as bananas ganharam uma nova forma de consumo e durabilidade, podendo ser armazenadas por semanas. Esse processo foi bem recebido pela comunidade e por amigos, que incentivaram a comercialização do produto. O sucesso da banana desidratada abriu novas oportunidades, agregando valor ao produto, que passou de uma dúzia, vendida por R$3,00, para uma banana desidratada comercializada por R$1,00 cada. Isso marcou o início da transformação da banana em diversos outros produtos, como doces e geleias, preservando tanto a produção local quanto a renda da comunidade.
O incentivo principal veio em 2021, quando a comunidade recebeu apoio do Fundo Casa Socioambiental. Segundo a liderança, o recurso foi importante para estabelecer o projeto, que agora processa a banana em uma variedade de produtos, desde doces tradicionais até maionese vegana.
“O Fundo Casa nos proporcionou a liberdade de fazer e ajudou na prestação de contas. Foi o primeiro recurso que entrou na organização criada em 2002. Eles nos deram suporte essencial”, destaca Koram.
O impacto do projeto vai além da economia local. Ele promove a autonomia das mulheres da comunidade, que agora têm a oportunidade de gerar renda sem precisar deixar seus filhos e sua aldeia.
“O projeto oferece uma alternativa ao trabalho externo, que muitas vezes leva a situações de vulnerabilidade para nossas mulheres. Muitas delas trabalhavam em casas de família ou fazendo faxina na cidade, o que as forçava a deixar seus filhos em casa e expô-los a riscos. Trabalhar na comunidade permite que elas cuidem dos filhos e ainda contribuam para a economia local. Isso é fundamental porque proporciona uma alternativa segura e digna, permitindo que elas permaneçam próximas às suas famílias e participem ativamente da vida econômica e social da aldeia” Koram Xucuru
As mulheres indígenas assumiram um papel de destaque na produção, impulsionando a economia local e resgatando receitas tradicionais, adaptando-as ao contexto atual. O projeto trouxe inovações, como a criação de maionese vegana à base de biomassa de banana, além de abrir caminho para novas oportunidades de mercado.
Koram Xucuru ressalta também a dificuldade enfrentada por mulheres indígenas ao buscar apoio: “Quando falamos de mulheres indígenas e nordestinas, a discriminação é grande. Muitas vezes, as propostas são negadas e há falta de apoio das organizações e dos órgãos responsáveis. O Fundo Casa foi uma exceção, oferecendo não apenas o recurso, mas também o suporte necessário”.
Com planos para expandir a linha de produtos, Koram e sua equipe continuam a trabalhar com determinação. “Estamos criando um modelo sustentável que respeita a Mãe Terra e valoriza nosso conhecimento ancestral. Queremos mostrar que, mesmo com desafios, é possível transformar realidades e melhorar a vida na nossa comunidade”, concluiu Koram.
O projeto Banana Chip Magia da Terra demonstrou grande potencial para a geração de renda sustentável durante o período de apoio pelo Fundo Casa Socioambiental. Foram produzidos doces de banana em calda, geleias, biomassa de banana, maionese vegana e bananas desidratadas, durante o período do apoio. De acordo com a liderança do projeto, além da comercialização, houve investimentos em consultorias, criação de logomarca, desenvolvimento de produtos e embalagens. As mulheres da comunidade foram capacitadas e os produtos estão em fase de aprimoramento de qualidade.
Embora o retorno financeiro ainda esteja em fase inicial, o projeto trouxe visibilidade e abriu novas oportunidades, com a expectativa de que, em breve, cada participante consiga obter o equivalente a dois salários mínimos. Atualmente, o lucro sobre as vendas é de 50%, um indicador de crescimento para o futuro.
O projeto ajudou na geração de renda, na melhoria da infraestrutura da comunidade e contribuiu para o fortalecimento institucional da associação, aumentando a visibilidade e promovendo novas parcerias. Reconhecido como referência na região, o grupo destaca a importância de iniciativas como essa para o desenvolvimento sustentável das comunidades.
A liderança ainda compartilha o sonho de, no futuro, construir um espaço exclusivo para a produção dos doces, o “lugarzinho do doce”. Além dos resultados financeiros, o projeto tem dado visibilidade às mulheres indígenas, que, em muitos casos, são as principais responsáveis pelo sustento das famílias. Esse fortalecimento da autonomia feminina é considerado um dos maiores impactos positivos, ampliando oportunidades e valorizando o papel das mulheres na comunidade.