Financiamento climático: Quem cobre o ônus das mudanças do clima?
A filantropia pode ser um catalisador, fazendo com que mais recursos cheguem aonde precisam chegar, facilitando a adaptação e a transformação ecológica nos territórios.
Publicado originalmente em Carta Capital
Por Cristina Orpheo e Rubens Harry Born*
Desde que começaram a ser realizadas as Conferências de Clima (COPs) promovidas pela ONU, um ponto fulcral, cuja resolução tem se mostrado complexa, diz respeito a quem coloca as mãos nos bolsos para pagar a conta de mitigar as causas e promover a adaptação à mudança climática.
Nas negociações da Convenção Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima, antes mesmo da realização da primeira COP em 1995, na Alemanha, representantes dos estados nacionais travaram inúmeros debates e negociações para endereçar os custos dos impactos social, ambiental e econômico do aquecimento global.
Os maiores desafios para fazer avançar a agenda têm sido, claramente, determinar quem paga esta conta e quais condições devem ser atendidas por quem recebe os recursos.
A premissa assumida desde a Convenção Quadro é o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, partindo do ponto de que estados nação mais ricos são os principais responsáveis, historicamente, pela maior parte das emissões antrópicas de gases de efeito estufa que causam a crise climática. Assim, países desenvolvidos deveriam financiar medidas de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento.
Enquanto os países desenvolvidos relutam em pagar essa conta, os países em desenvolvimento argumentam que os eventos climáticos extremos têm sido cada vez mais presentes em seus territórios, e que não possuem recursos para enfrentá-los.
Em 2009, na COP15, em Copenhague, foi estabelecida a meta de que os países desenvolvidos levantassem, juntos, US$ 100 bilhões por ano para investir em ações de combate à crise do clima entre 2020 e 2025. Compromisso confirmado pelo Acordo de Paris em 2015. A COP27, realizada no ano passado, destacou que essa meta ainda não foi alcançada, reiterando aos países desenvolvidos o pedido de urgência para que mobilizem esses recursos para atender às necessidades dos países em desenvolvimento.
Mesmo que se esteja avançando em alguma medida em financiamento climático, com a criação de fundos e arranjos nacionais e internacionais envolvendo governos, iniciativa privada, filantropia, dentre outros atores, esses recursos, ainda não suficientes, são ainda mais escassos quando se pensa nas organizações, movimentos e lideranças de base comunitária.
Na COP26, em 2021, por exemplo, vários países e organizações – Reino Unido, EUA, Alemanha, Noruega e Países Baixos, junto a 17 fundações – anunciaram o Indigenous Peoples and Local Communities’ Forest Tenure Pledge, um compromisso de doar US$ 1,7 bilhão, de 2021 a 2025, para que povos originários e comunidades tradicionais sigam protegendo seus territórios e desempenhando papel crucial na luta contra a crise climática.
Após um ano do anúncio, o relatório anual da própria iniciativa traz dados que demonstram que haviam sido doados cerca de US$ 321 milhões, dos quais metade (51%) foi canalizada para ONGs internacionais que operam projetos com povos indígenas e populações tradicionais. Governos ficaram com 17% desse valor, seguidos por agência ou fundo regional (8%). Apenas 7% dos recursos foram disponibilizados diretamente para organizações indígenas e de populações tradicionais.
Comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, de periferias das grandes cidades e as minorias políticas, de modo geral, são os grupos sociais mais afetados pela mudança do clima.
Por outro lado, são eles também os principais protetores das florestas e atuam na defesa do meio ambiente, dos seus territórios e dos recursos naturais.
Os diferentes segmentos envolvidos com essa agenda (governos, instituições multilaterais, empresas, organizações filantrópicas e entidades sem fins de lucro, entre outros) terão que reorientar sua forma de atuação e voltar sua atenção para essas comunidades, buscando facilitar a chegada de recursos na ponta. Grandes fontes financeiras, como bancos privados, fundos de clima nacionais e internacionais e demais articulações e arranjos, que costumam destinar recursos a grandes projetos, precisam democratizar o acesso.
A filantropia pode ser um catalisador dessa ação, fazendo com que mais recursos cheguem aonde precisam chegar, facilitando a adaptação e a transformação ecológica nesses territórios.
A filantropia nacional e internacional vem, cada vez mais, se engajando na agenda climática e assumindo compromissos, como o Philanthropy for Climate. Embora essa seja uma tendência, relatório publicado pela Fundação Climate Works em 2023 demonstra que o financiamento filantrópico para a mitigação das mudanças climáticas desacelerou em relação ao ano anterior, e em relação ao crescimento que vinha sendo registrado entre 2019 e 2021.
Temos percebido uma tendência da filantropia internacional em atuar em blocos e redes de doadores, firmando ‘pledges’ (promessas) para financiar a agenda climática. No Brasil, o apoio a essa agenda começa a acontecer, mas ainda em ritmo tímido perto do necessário.
Para que tenha o alcance necessário, a filantropia deve aumentar sua ambição para fomentar soluções climáticas transformadoras em parceria com uma gama mais ampla de comunidades, movimentos e organizações. Transferir mais fundos, o mais rapidamente possível, para os locais que mais precisam deles. E demonstrar coerência na atuação frente às desigualdades e à intrínseca conexão da emergência climática com a agenda de defesa de direitos humanos.
Temos uma filantropia diversa, que inclui investimento social privado, familiar, movimento por uma cultura de doação, fundos independentes, dentre outros. E iniciativas inovadoras e importantes, construídas com base na nossa realidade e necessidades. Tais como a Rede Comuá, que reúne organizações independentes doadoras com atuação que se articulam pela filantropia comunitária e de justiça socioambiental, da qual o Fundo Casa Socioambiental é membro. Essas organizações estarão na COP28 pautando discussões sobre a importância do financiamento climático verdadeiramente justo.
Dada a urgência, o movimento filantrópico brasileiro deve buscar ser mais pragmático e assertivo, renunciando ao protagonismo individual em prol de uma ação realmente conjunta, que traga mais potência e capilaridade para a aplicação dos recursos.
Sobre os autores:
Cristina Orpheo é diretora executiva do Fundo Casa Socioambiental, um fundo local brasileiro com 18 anos de atuação, mais de 3 mil projetos socioambientais apoiados e mais de R$100 milhões doados diretamente para organizações de base comunitária. Formada em Administração, com pós-graduação em gestão de projetos sociais, terceiro setor e gestão ambiental, é especialista na elaboração e gestão de projetos, planejamento estratégico, mobilização de recursos e estratégias de grantmaking.
Rubens Harry Born é advogado e engenheiro civil, com especialização em engenharia ambiental. Mestre e Doutor em Saúde pública e ambiental. Fundador e conselheiro do Fundo Casa Socioambiental, Rubens é especialista em sustentabilidade ambiental e desenvolvimento social, cidadania, direito e governança global e local.