19.02.2024

Clima de Quebrada leva ação e combate ao racismo ambiental para dentro das escolas

Por Nádia Pontes

Na vizinhança próxima à Escola Estadual Senador Teotônio Vilela, na Brasilândia, periferia na zona norte de São Paulo, uma área até então maltratada está diferente. O lixo acumulado se foi, o canteiro ganhou mudas e o grafite na parede recém-pintada deixa a mensagem de quem está por trás da iniciativa: Clima de Quebrada.

A revitalização da área é a parte visível para toda a comunidade de uma ideia gestada ao longo de dois meses dentro da escola. A mudança aconteceu pelas mãos de alunos e professores que integraram a primeira turma do projeto Clima de Quebrada, criado pelo Instituto Perifa Sustentável.

“Nós criamos essa iniciativa com o objetivo de educar para ação climática na periferia, combater o racismo ambiental. E logo na estreia, o nosso projeto de capacitação contou com 200 alunos e 50 professores”, comemora Amanda Costa, fundadora do Instituto Perifa Sustentável. 

Ação do projeto nas salas de aula da Escola Estadual Senador Teotônio Vilela. Foto: Arquivo Perifa Sustentável

A iniciativa foi uma das selecionadas na chamada Mulheres Liderando a Ação Climática, realizada pelo Fundo Casa com apoio da Aliança GAGGA (Global Alliance for Green and Gender Action) e a Embaixada da França no Brasil. Os recursos, doados diretamente para a organização de base que nasceu na Brasilândia, custearam a contratação dos mobilizadores locais e as ferramentas usadas na ação comunitária.

“Este foi o nosso projeto piloto, concluído com sucesso. Para a gente continuar, precisamos de mais investimentos. Toda a equipe do Perifa Sustentável foi voluntária”, afirma Amanda, que participou da implementação da iniciativa, coordenada pela diretora do instituto Gabriela Santos, no segundo semestre de 2023.

A Brasilândia, onde o projeto foi realizado, também chamado de Vila Brasilândia é um bairro pertencente ao distrito de Brasilândia na zona norte do município de São Paulo. Foto: Arquivo Perifa Sustentável.

Em 2024, o Clima de Quebrada segue ativo. No fim de janeiro, a equipe visitou a subprefeitura da Brasilândia para cobrar ações de conscientização no bairro e a coleta adequada do lixo. 

“Entendemos que a formação do Clima de Quebrada e a intervenção comunitária que realizamos precisam de suporte do Estado para gerar resultados ainda mais potentes”, defende o instituto. 

Foto: Arquivo Perifa Sustentável

 

Clima dentro da escola

Diante de estudantes de 12 a 14 anos, um dos primeiros desafios encarados pelos monitores do projeto foi abordar com os alunos os conceitos científicos que explicam a emergência climática. Para muitos, a teoria soa distante, intangível, e nem todos os professores são preparados para abordar o tema na sala de aula. 

“Trouxemos aulas práticas, com muita dinâmica, exercícios, saímos da rotina falando de forma leve, adaptada para a linguagem deles. Ao fim, eles se davam conta de que emergência climática não é uma ‘parada’ longe, mas afeta a realidade deles, quem eles são e quem eles poderão ser, em relação a projetos, trabalho, saúde, moradia”, explica Amanda.

Mahryan Sampaio é Co-fundadora do Instituto Perifa Sustentável e Embaixadora da Juventude da ONU no Brasil. Foto: Arquivo Perifa Sustentável

Em todo o Brasil, aproximadamente 8,9 milhões de pessoas vivem em zonas de risco, mapeadas em 1.942 municípios, aponta um levantamento recente da Casa Civil e do Ministério das Cidades. Na cidade de São Paulo, a região da Brasilândia é apontada como uma das que têm maior incidência de risco, segundo dados da prefeitura. 

A primeira turma do Clima da Quebrada também foi treinada para produzir os próprios conteúdos sobre questões ambientais e distribuir nas redes sociais. Os vídeos produzidos pelo Perifa Sustentável que circulam na internet chegam a ser usados por professores da rede em sala de aula.

“Muitos professores assistem aos nossos vídeos e pedem pra gente levar o Clima de Quebrada para a escola deles”, diz Amanda. 

O grafite na parede recém-pintada deixa a mensagem de quem está por trás da iniciativa: Clima de Quebrada. Foto: Perifa Sustentável

 

Da periferia às Conferências do Clima

Nascida e criada na Brasilândia, Amanda presta atenção nos desequilíbrios ambientais desde a infância. Mas foi após entrar na universidade que os desafios globais que afetam as comunidades periféricas se revelaram com clareza.

“Foi na universidade que eu entendi de verdade o que é desigualdade social. Meu amigos de sala eram brancos de classe alta, então eu percebi que o jeito que eu vivia não era como todos viviam”, relembra a ativista.

Amanda, co-fundadora do Perifa Sustentável, em sua primeira participação em uma Conferência do Clima (COP) em Bonn, Alemanha, em 2017. Foto: Arquivo Perifa Sustentável

As pesquisas feitas durante a faculdade ajudaram Amanda a ir fundo nos acordos multilaterais no campo das mudanças climáticas. Com a dedicação ao tema, ela ganhou uma bolsa para acompanhar a Conferência do Clima (COP) em Bonn, Alemanha, em 2017. “Foi um outro choque em relação à desigualdade social, econômica, ambiental. Percebi que a crise climática já havia chegado ao Sul global e a população da periferia, negra, as mulheres, não estavam representadas nessas negociações”, afirma.

Com a conclusão da faculdade em Relações Internacionais pela Anhembi Morumbi, em 2019, Amanda foi em busca dessa representatividade. Naquele mesmo ano, fundou o Perifa Sustentável, que se tornou uma entidade em 2022. 

Amanda participou de mesas e debates na COP 28 nos Emirados Árabes Unidos, em 2023. Foto: Arquivo Perifa Sustentável

Desde então, ela participou de quase todas as COPs. Aos poucos, as pessoas que mais sofrem os impactos das mudanças climáticas foram acessando estes espaços, mas ainda sem o poder de tomada de decisão, analisa Amanda, que deu contribuições recentes a políticas nacionais de enfrentamento da crise climática.

Da última edição da COP, de Dubai, ela trouxe revolta. “A urgência do nosso mundo não se reflete nos acordos internacionais. O lobby forte do petróleo é muito forte. Trouxe revolta, insatisfação, ansiedade. Temos muito trabalho pela frente, mas agora é necessário descanso, respiro, mas não podemos parar”, diz.



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